Não se caracteriza estupro quando não há violência e a negativa de vítima é entendida como jogo de sedução, aponta juíza

Juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia.

Não se configura estupro quando não há violência ou com grave ameaça explicita. Além disso, quando a negativa da vítima em praticar o ato sexual é compreendida como jogo de sedução. Com esse entendimento, a juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia, absolveu um homem de 34 anos acusado de estuprar uma adolescente de 15 anos, com a qual mantinha um relacionamento amoroso. Não foi comprovada violência, caracterizadora do crime de estupro, ou a negativa da vítima.

Consta nos autos que a adolescente mantinha relacionamento amoroso com o acusado, que era seu vizinho, e que frequentava diariamente a residência dele. Ela alega que, no dia do ocorrido, o acusado, após trancar a porta do quarto dele, começou a lhe beijar e, em seguida, tirou seu short e forçou a penetração. Disse, ainda, que tentou empurrar o réu, mas não conseguiu, porque ele empregou força física para a relação sexual.

O homem negou o estupro e disse que manteve relações sexuais com a jovem duas vezes, de forma consentida. Na data do corrido, sua mãe, suas irmãs e seu sobrinho estavam em casa, mas não ficaram sabendo da prática sexual. Reafirmou que a ofendida consentiu com o ato e que só inventou a história depois de descobriu que estava grávida e acreditar que ele não fosse assumir a paternidade da criança. Relatou que quando soube da gravidez pediu exame de DNA e constatou que é o pai da criança.

Ao analisar o caso, a magistrada considerou que não houve o emprego de violência, caracterizadora do crime de estupro. Isso porque, a adolescente apenas disse que o acusado após fechar a porta, começou a lhe beijar e fazer carícias e, ato contínuo, tirou seu short e forçou a penetração. Ela não relatou a prática de nenhum ato de violência explícita ou de grave ameaça. Placidina Pires observou, ainda, que o “suposto” dissenso da vítima com o ato sexual não foi comprovado.

Conforme a magistrada, o próprio relato da jovem evidencia que ela não se opôs de modo explícito e frontal à investida sexual, pois não gritou, não ficou com hematomas e sequer reclamou com a genitora do imputado a respeito do acontecido, que estava na casa do momento do fato, e nem com sua mãe. Somente narrou ocorrido cerca de 30 dias depois, quando descobriu que estava grávida. A mãe do acusado inclusive disse que a adolescente continuou frequentando a residência do réu nos dias seguintes.

Dissenso
“A violência, caracterizadora do crime de estupro, consoante a melhor doutrina, é aquela agressividade intencional e excessiva capaz de vencer a resistência do ofendido”, ressalta Placidina Pires. O estupro acontece quando há o dissenso da vítima, que não deseja o ato sexual. No entanto, diz a magistrada, para que o dissenso seja efetivamente considerado, é preciso discernir quando a recusa da vítima se traduz em manifestação autêntica de sua vontade, de quando, momentaneamente, faz parte do “jogo de sedução”, pois, muitas vezes, o “não” deve ser entendido como “sim”.

O erro do agente quanto ao dissenso da vítima importará em erro de tipo, afastando, assim, a tipicidade do fato. O fato de o homem atuar acreditando que a negativa da vítima fazia parte do “jogo de sedução” ou para demonstrar “recato” ou para tornar o jogo do amor mais difícil ou interessante, poderá alegar erro de tipo, com o afastamento do dolo e, consequentemente, da tipicidade do fato. A dúvida deve ser interpretada a favor do réu.

Negativa
Porém, a magistrada diz que é preciso deixar claro que o fato de a vítima ter correspondido sexualmente de alguma forma com o agente, não significa que não tem o direito de, a qualquer momento, mudar de ideia e de dizer “não”, devendo sua negativa ser compreendida pelo agente, mesmo que, em momentos anteriores, houvesse cumplicidade entre eles.

A magistrada cita lição do doutrinador Vicente Grego. Ele diz que, mesmo dando mostras anteriores que desejava o ato sexual, a vítima pode modificar sua vontade a qualquer tempo, antes da penetração, por exemplo. Somente o consentimento que precede imediatamente o ato sexual é que deve ser considerado. Como entendeu o Tribunal Norte-Americano no caso Mike Tyson e Desiree Washington, ocorrido em 1991, nos Estados Unidos.

Sem comprovação
No caso em análise, a magistrada entendeu que o dissenso da ofendida com o ato sexual, como manifestação autêntica da vontade, não foi comprovado e pode ter sido compreendido pelo réu como um jogo de sedução, demonstração de “recato” ou como manobra para tornar o jogo do amor mais difícil ou interessante. “Em casos como esse, aliás, convém destacar que é difícil para o homem discernir quando a negativa da vítima realmente significa que ela não deseja o ato sexual, de quando deseja que ele prossiga na sedução e consuma a conjunção carnal”, diz.

De igual modo, não foi comprovado o emprego de “violência” ou de “grave ameaça” por parte do agente para a consecução da conjunção carnal. A dúvida, nesse caso, conforme destacado, favorece o réu. O laudo pericial realizado dias após o ato sexual, ademais, não reportou a existência de vestígios de violência na conjunção carnal perpetrada. Ao contrário, mencionou que o hímen da ofendida apresenta características de complacência.