MP questiona contrato para implantação de sistema de biometria em valor superior a R$ 33 milhões

Após o não atendimento de recomendações para a suspensão de processo licitatório e contrato com sérios indícios de direcionamento e superfaturamento, a promotora de Justiça Fabiana Lemes Zamalloa do Prado propôs ação civil pública contra o Estado de Goiás e o Consórcio Oki Brasil – Biológica – Biometria Goiás. O contrato questionado pela promotora tem como objeto a implantação de um amplo sistema de biometria no Estado, para identificação civil e criminal, por meio da aquisição de uma solução denominada AFIS (Automated Finger Print Identification System, ou sistema automático de identificação de impressão digital). O novo sistema será utilizado, entre outras finalidades, para a confecção de um novo modelo de carteiras de identidade.

Na ação, o Ministério Público requer, em caráter liminar, a suspensão de execução do contrato e, no mérito da ação, a nulidade do pregão eletrônico que resultou na contratação da Oki Brasil, bem como do contrato resultante dessa licitação.

Conforme sustentado pela promotora, o estabelecimento de exigências excessivas relativamente à experiência anterior dos licitantes no pregão questionado resultou em restrição da concorrência, o que viola o disposto no artigo 37 da Constituição Federal e a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações). Além disso, ponderou, não houve razoabilidade no estabelecimento destas restrições, que acabaram não sendo observadas, ao final, na habilitação do consórcio vencedor, o que, na avaliação de Fabiana Zamalloa, aponta para um direcionamento do processo licitatório, situação que torna nulo o pregão eletrônico.

Segundo relatado na ação, as exigências excessivas contidas no edital, em especial em relação aos quantitativos mínimos dos serviços prestados, foram impugnadas por seis empresas interessadas, que não conseguiram participar da licitação. Assim, ao final, apenas três empresas foram habilitadas no pregão, o que demostrou, para o MP, o caráter restritivo do processo licitatório. O reduzido universo de licitantes, observou a promotora, acabou por reduzir os lances e elevar o preço final do produto (a solução de informática), adquirido pelo valor R$ 33.855.000,00, apenas R$ 45 mil a menos do valor estimado para a compra.

Da análise da documentação da licitação, o MP verificou que as exigências restritivas do edital em relação aos atestados de experiência anterior não foram observadas em relação ao consórcio vencedor. Na ação, são relacionados quatro itens em relação aos quais a documentação apresentada pela Oki Brasil seria insuficiente para demonstração dos requisitos exigidos na data da abertura do pregão, entre eles os relativos à comprovação de experiência anterior.

Fabiana Zamalloa questiona ainda o fato de não terem sido realizadas diligências in locu para verificação dos serviços atestados pelo consórcio, apesar da sugestão feita pelo pregoeiro, uma vez que uma das empresas que concorriam no pregão foi inabilitada após viagem de equipe específica à Colômbia para a verificação da adequação do sistema. Para a promotora, a visita técnica seria “imprescindível” para verificação do preenchimento dos requisitos do edital.

Superfaturamento
A promotora aponta ainda que, durante as investigações, foram obtidos documentos que comprovam o superfaturamento da ferramenta, uma vez que a solução AFIS de Identificação Civil foi adquirida por outros órgãos públicos por valor muito inferior ao pago pelo Estado de Goiás. Ela aponta que a Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul adquiriu licenças de uso, em caráter definitivo, com suporte técnico e manutenção dos softwares para apoio à identificação biométrica, incluindo serviços de instalação e treinamento, no valor de R$ 192.500,00. Pela contratação, o sistema AFIS e de gestão de base de dados de indivíduos, foi dimensionado para realizar 550 mil registros, ou seja, dividindo-se o valor da solução pelo número de registros, chega-se ao valor de R$ 0,35 por registro.

Já no contrato celebrado pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás e o Consórcio Oki, a solução integrada foi adquirida pelo valor total de R$ 33.855.000,00, incluídos os serviços de digitalização, orçados em cerca de R$ 4 milhões. Excluídos os serviços, o valor foi de R$ 29,7 milhões. Assim, conforme sustenta a promotora, dividindo-se o valor total da solução pelo número de registros contratados, de 8 milhões, chega-se ao valor de R$ 3,71, por registro em Goiás. Na ação também são detalhados comparativos referentes a outros órgãos.

Vícios
A promotora Fabiana Zamalloa também apontou o fato de o edital não ter apresentado a estimativa de preços relativamente a cada item integrante da solução de informática (kitbio, bioverif, estação de emissão de documentos repositório central multibiométrico e workflow de sistema de gestão de identidades, estação de tratamento de divergências, estação de perícia papiloscópica kitdigi, módulo de criptografia de informações, sistema AFIS de identificação civil e sistema AFIS de identificação criminal). A ausência de orçamento detalhado, salienta a promotora, além de violar o princípio da publicidade, não possibilitou à administração pública a verificação sobre a adequação dos preços propostos aos do mercado. “Não há informação nos autos dos critérios adotados pela administração pública estadual para a escolha das empresas que apresentaram os orçamentos, em especial, a sua expertise na área”, reiterou.

Também é apontado na ação que a sessão de homologação das amostras apresentadas pelo consórcio vencedor não foi precedida pela publicidade necessária, tendo em vista que a publicação do aviso ocorreu apenas duas horas antes da sessão e não constou o local onde seriam apresentadas e homologadas as amostras. Fonte: MP-GO