Ex-prefeito é denunciado pelo MP por desvio de mais de R$ 1 milhão dos cofres públicos

A promotora de Justiça Gabriella de Queiroz Clementino ofereceu denúncia criminal contra o ex-prefeito de Itapuranga Daves Soares da Silva e o ex-secretário de Finanças do município Jairo da Costa Ferreira por crime de responsabilidade e pela ocultação da origem de valores provenientes de infração penal, delito previsto na Lei nº 9.613/1998 (que trata da lavagem de dinheiro). Os fatos criminosos, conforme a peça acusatória, ocorreram no período entre 2009 e 2011, quando Daves era prefeito e Jairo respondia pela Secretaria de Finanças.

A denúncia aponta que os dois, no período mencionado, desviaram rendas públicas, em proveito próprio e alheio, num total de R$ 1.026.232,31, o que configura o crime de responsabilidade previsto no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 20/1967. Além de se associarem para o desvio de recursos, Daves e Jairo ainda ocultaram e dissimularam a origem, localização e movimentação dos valores provenientes da infração penal antecedente (no caso, o crime de responsabilidade), estando a conduta tipificada no artigo 1º da Lei nº 9.613/1998.

Os fatos
A denúncia do Ministério Público ressalta que, na qualidade de prefeito do município, empossado em 2009, cabia ao acusado Daves Soares a direção superior da administração do município de Itapuranga, inclusive no que diz respeito às questões financeiras, sendo auxiliado nessa última tarefa pelo ex-secretário Jairo. Dentro do organograma da Secretaria de Finanças, existia a Superintendência da Gestão Tributária e da Receita, tratada informalmente como Coletoria Municipal, órgão responsável pelo recebimento dos tributos de competência originária do município, que estava à época sob o comando do superintendente financeiro Divino Martins da Silva.

Contudo, relata a peça acusatória, não existia no município um sistema de pagamento bancário dos tributos. Assim, a Coletoria Municipal não se encarregava apenas de emitir os Documentos de Arrecadação Municipal (DAM) dos Tributos, denominados como “guias”, mas também de receber os pagamentos, tendo o servidor Eduardo Antônio Chaves Coelho, responsável pelo caixa, ficado com as tarefas de receber o dinheiro ou cheque correspondente à guia e de autenticar a via do contribuinte.

“Assim, de uma maneira amadora, o controle das arrecadações dava-se apenas via elaboração de um Relatório de Movimento Financeiro Diário por Eduardo, que discriminava o valor total arrecadado de cada tributo e o número da conta bancária vinculada à natureza da receita onde o montante arrecadado deveria ser depositado”, detalha a promotora. Ao final do dia, acrescenta, toda quantia recebida na Coletoria Municipal era repassada em mãos ao denunciado Jairo, que assinava o mencionado Relatório de Movimento Financeiro Diário, que era, então, arquivado na unidade.

Em relação ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), descreve a denúncia, o documento de arrecadação (guia) autenticado entregue ao contribuinte era por ele apresentado ao cartório extrajudicial por ocasião da lavratura do ato de transmissão da propriedade, ficando uma cópia arquivada na serventia. Cabia ao tabelião ou oficial de registro a obrigação de exigir a comprovação do recolhimento do ITBI como condicionante da lavratura do instrumento, conforme previsto na Lei Complementar nº 9/2009, de Itapuranga.

De acordo com o MP, diante da fragilidade do sistema e da falta de controle das receitas, os acusados Daves e Jairo vislumbraram uma janela para práticas ilícitas em prejuízo aos cofres públicos. A denúncia lembra que Daves havia sido secretário de Finanças do município em gestão anterior e Jairo tinha formação de contador. “Ambos eram expertises no controle financeiro das contas municipais e conheciam as brechas abertas pela falta de controle das receitas”, sublinha a promotora.

Desta forma, afirma a denúncia, os acusados, “previamente acordados, com unidade de desígnios e divisão de tarefas”, no decorrer de 2009, 2010 e 2011, desviaram rendas públicas originárias do recolhimento de ITBI, em proveito próprio. A cada repasse diário dos tributos recebidos que lhe era feita pela Coletoria Municipal, Jairo desviava parte do montante correspondente à receita de ITBI. Na sequência, dividia o produto do desvio com Daves.

De acordo com o que foi apurado, o montante do desvio em 2009 chegou a R$ 139.539,19; em 2010, R$ 324.712,37 e, em 2011, R$ 561.980,75, o que perfaz o total de R$ 1.026.232,31 ao longo dos três anos.

Descoberta do esquema
O esquema criminoso, contudo, foi desbaratado no fim de 2011, quando os então vereadores Tomas de Souza Dias Campos e Wanderley Gonçalves Pinheiro notaram que o valor contabilizado e declarado pelo município de Itapuranga ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) referente à receita de ITBI em 2010 – R$ 216.409,83 – era desproporcional às transferências de bens imóveis ocorridas no período.

Diante disso, os vereadores diligenciaram junto aos cartórios extrajudiciais do município e, após levantamento das guias de recolhimento de ITBI arquivadas, descobriram que o total efetivamente arrecadado em 2010 do imposto totalizava R$ 541.122,20. Ao ser informado da diferença apurada, o TCM julgou irregulares as contas de gestão do Poder Executivo municipal do exercício de 2010, imputando ao então prefeito Daves débito de R$ 312.525,65.

Com a descoberta dos desvios ocorridos em 2010, o TCM resolveu investigar as contas de 2009 e 2011, desencadeando inspeção de controle externo a partir de representação feita pelo Ministério Público de Contas. Assim, os auditores do TCM diligenciaram pessoalmente nos cinco cartórios da circunscrição de Itapuranga e, mediante autorização judicial, tiveram acesso às guias de ITBI arquivadas nas serventias.

Nessa inspeção, ao compararem o montante de ITBI apontado nas guias arquivadas nas serventias com as contabilizadas e declaradas pelo município como receita dos anos de 2009 e 2011, os auditores chegaram aos desvios efetuados por Daves e Jairo naqueles anos. Como resultado da auditoria, o TCM imputou ao então prefeito o débito de R$ 701.519,94.

Evolução patrimonial
Na avaliação do MP, o dinheiro desviado pelos denunciados foi incorporado em seus patrimônios, ainda que de forma oculta ou dissimulada. Daves, por exemplo, apresentou evolução patrimonial incompatível à declarada à Receita Federal em 2011, no total de R$ 112.896,85, o que levou, inclusive, ao ajuizamento de ação civil pública, em tramitação na Justiça (protocolo nº 201503074948).

Diante desse relato, o MP pede a condenação dos acusados nas penas do artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 20/1967 e do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998. O primeiro delito prevê punição de 2 a 12 anos de reclusão, enquanto a pena, para o segundo, pode variar de 3 a 10 anos, também de reclusão.

Caso os denunciados sejam condenados, a promotora requer, desde já, a fixação, na sentença, do valor mínimo para reparação dos danos causados aos cofres públicos, no montante de R$ 1.026.232,31, devidamente atualizado. Fonte: MP-GO