Contrariando jurisprudência, tribunais continuam a dar mandado de segurança para suspender benefícios do réu

No sistema de recursos em processos penais, a aplicação de efeito suspensivo deve ser antecedida da observância dos direitos e garantias fundamentais e dos seus consectários lógicos, como o devido processo legal. Nesse contexto é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui entendimento consolidado no sentido de que não é cabível a impetração de mandado de segurança para conferir efeito suspensivo a recurso interposto contra decisão que revoga a prisão preventiva do réu ou defere algum benefício na execução criminal.

A jurisprudência é antiga, mas ainda assim o STJ continua sendo acionado para corrigir decisões em desacordo com o entendimento pacífico de seus órgãos julgadores, aos quais a Constituição reservou o papel de estabelecer, em última instância, a correta interpretação das leis federais.

Desde 1996, em pelo menos 107 processos que tramitaram nas suas turmas de direito penal, o tribunal aplicou esse entendimento para cassar decisões em mandado de segurança que haviam concedido o efeito suspensivo e, por consequência, revogado prisões domiciliares, progressões de regime ou outros benefícios. Ao longo do tempo, outras duas mil decisões monocráticas também consolidaram a tese, com base principalmente na Lei de Execução Penal.

Ilegalidade flagrante
Em um desses casos, a Quinta Turma julgou habeas corpus em favor de homem que teve prisão preventiva revogada em primeiro grau, com a aplicação de medidas alternativas. Contra essa decisão do juiz, o Ministério Público de São Paulo interpôs recurso em sentido estrito e, concomitantemente, ingressou com mandado de segurança.

O pedido de liminar no mandado de segurança foi acolhido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que concedeu o efeito suspensivo e determinou a expedição do mandado de prisão.

O relator do habeas corpus na Quinta Turma, ministro Jorge Mussi, destacou inicialmente que a apreciação do pedido da defesa não tinha relação com os fundamentos da prisão preventiva, mas apenas com a possibilidade de manejo de mandado de segurança para conferir efeito suspensivo a recurso que não o possuía.

Após elencar a jurisprudência do STJ sobre o tema, o ministro concluiu que o efeito suspensivo conferido por meio do mandado de segurança a recurso que não o detém é flagrante ilegalidade a ser sanada de ofício pelo STJ.

No voto, acompanhado na turma de forma unânime, o ministro lembrou, também, que a retirada do efeito suspensivo não compromete o julgamento do recurso em sentido estrito. Ou seja, não há antecipação do mérito sobre a necessidade ou adequação da prisão, “o que ocorrerá posteriormente caso julgado o reclamo e venha novamente esta Casa de Justiça a ser provocada”, apontou o relator (HC 360.269).

Progressão de regime
Em julgamento semelhante, a Quinta Turma analisou habeas corpus de réu que teve a progressão de regime concedida pelo Juízo das Execuções de São Paulo, motivo pelo qual o Ministério Público interpôs agravo em execução e mandado de segurança. Neste último, o TJSP deu decisão atribuindo efeito suspensivo ao agravo.

O relator do habeas corpus, ministro Joel Ilan Paciornik, destacou que o artigo 197 da Lei de Execução Penal estipula que das decisões proferidas pelo juiz da execução cabe recurso de agravo, todavia sem efeito suspensivo.

“Assim, o manejo do mandado de segurança como sucedâneo recursal, notadamente com o fito de obter medida não prevista em lei, revela-se de todo inviável, sendo, ademais, impossível falar em direito líquido e certo na ação mandamental quando a pretensão carece de amparo legal”, concluiu o ministro, no voto que foi acompanhado de forma unânime pelo colegiado para restabelecer a decisão que determinou a progressão de regime (HC 354.622).

Direito de locomoção
A Sexta Turma também já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a impossibilidade de, na via do mandado de segurança, ser suspensa a revogação de prisão provisória.

No ano passado, o colegiado julgou habeas corpus de homem preso em flagrante por envolvimento com o tráfico de drogas. Após a prisão, o juiz de primeira instância considerou não haver elementos que justificassem a permanência do denunciado em cárcere durante o prosseguimento da ação penal e, por isso, aplicou medidas cautelares distintas.

Novamente, os efeitos da decisão monocrática foram suspensos por meio de mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público.
Em julgamento unânime, a Sexta Turma considerou ter havido violação do direito de locomoção do réu, com a configuração de constrangimento ilegal devido ao manejo do mandado de segurança para o restabelecimento do cárcere, quando ainda pendente recurso contra a decisão que lhe concedeu liberdade provisória.