Uber x Câmara Municipal de Goiânia: ressuscitado as corporações de ofício

A cidade de São Paulo inaugurou na segunda metade do século XIX o transporte público de passageiros urbanos, inicialmente feito por tílburis e, logo evoluindo para linhas regulares de bondes com tração animal.

Não muito depois, com a possibilidade de geração de energia e utilização de eletricidade no transporte público urbano, a canadense Light passou a ser a concessionária de bonde urbano elétrico em São Paulo e, de lá para cá, o transporte de passageiros não deixou mais de mutar e evoluir.

Fato é que, mesmo sendo, desde a origem, serviço público, o transporte urbano de passageiros é ótimo exemplo de como as atividades econômicas, mesmo assenhoradas pelo Estado – por meio do rótulo “serviço público” – são beneficiárias da concorrência.

Ninguém questiona a possibilidade de, em um trecho qualquer, por exemplo, entre a Consolação e o Paraíso, na Avenida Paulista, em São Paulo, duas prestadoras do mesmo serviço público, qual seja, transporte urbano de passageiros, possam concorrer. Tanto é verdade que o trecho pode ser percorrido por metrô ou por ônibus.

Nas atividades econômicas a concorrência não apenas beneficia o consumidor – ou usuário, na hipótese do serviço público – como promove inovações.

No mercado de música isso é visto diariamente quando as mídias físicas concorrem hoje com os streaming, ou no jornalismo impresso ou radio-televisionado que concorre com sites e blogs de notícias.

No dia 8 de maio próximo passado, na Alemanha, por conta da liberdade do mercado de energia elétrica e da concorrência ocasionada por gerações eólicas e solares, o preço do megawatt/hora ficou cento e trinta euros negativo. As empresas literalmente pagaram para o consumidor utilizar a energia.

A suma do que foi dito são duas conclusões inafastáveis: a primeira é a de que a livre concorrência proporciona menor preço e soluções inovadoras. A segunda é a de que a presença do Estado no mercado, seja capturando a atividade, seja regulando com fortes influxos publicísticos, tente a desestabilizar a relação entre o prestador/fornecedor e consumidor. O legislador goianiense está prestes a cometer esse gravíssimo equívoco, para dizer o mínimo.

Na quarta-feira próxima passada a Câmara Municipal aprovou em primeira votação, à unanimidade, um projeto de lei que inviabiliza a utilização do aplicativo

Uber ou de quaisquer outras plataformas de transporte privado individual de passageiros, ao impor as mesmas regras impostas aos taxistas.

Sob o argumento de que a empresa Uber pratica captação predatória de clientes, o serviço que pode ser utilizado em Paris, Londres, Nova Iorque ou qualquer grande cidade do mundo, está prestes a ser subtraído do cidadão goianiense.

Ainda que a estreiteza deste artigo não permita o desenvolvimento de aspectos jurídicos, é preciso fixar que, no campo normativo brasileiro não há qualquer óbice à utilização dessas plataformas de transporte urbano de passageiros, pois a Lei 12.587/12 faz clara distinção em relação ao que denomina transporte público individual de passageiros, esse privativo dos taxistas, e serviço individual privado de passageiros, atividade livre no mercado.

Não bastasse, a lei prestes a ser aprovada pela Câmara Municipal afronta a Constituição Federal, pois apenas a União poderia legislar sobre trânsito, transporte e informática (art. 22, IV e XI), jamais o Município.

Finalmente, a debilidade dos argumentos que lastreiam o projeto que está prestes a ressuscitar as corporações de ofício pré-revolucionárias pode fazer com que o cidadão pense que o legislativo municipal não está produzindo normas que favoreçam a cidade e seus moradores, mas agindo em defesa de classes profissionais ou corporativas.

Afinal, como é possível que um sistema de transporte que não conte com subsídios tributários aplicáveis apenas aos taxistas promova um transporte de melhor qualidade técnica, com veículos mais novos, a custo mais baixo e sem a assimetria de informação típica do transporte realizado por taxistas.

Talvez seja de fato necessário equalizar a concorrência, mas não impondo aos motoristas de Uber valores similares aos dos táxis, mas justo o contrário. Se houver regulação, que se imponha aos taxistas qualidade de serviço, informações e preço similares aos praticados pelo Uber. Apenas assim o cidadão goianiense efetivamente ganhará em preço e em qualidade.