STJ decide que empresa em recuperação judicial pode participar de licitação

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    O instituto da Recuperação Judicial tem se apresentado como um benefício aos devedores que encontram-se em situação de crise econômico-financeira (art. 47 da Lei 11.101/05); entretanto, para que o empresário ou a sociedade empresária (destinatários de tal benefício) possam, efetivamente dele usufruir, há algumas limitações nesta mesma Lei e em outras. Assim, o artigo 52, Inciso II, da LFRE – Lei de Falências e Recuperação de Empresas -,  ao dar os caminhos necessários a serem percorridos pelo devedor/recuperando para se submeter a tal benefício, determina que o juiz do feito, ao deferir o processamento da RJ, determinará também “…a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei”. (grifamos).

    Outra Lei, que também exige do devedor/recuperando responsabilidades a serem cumpridas para gozar dos benefícios da RJ, é a de número 8.666/93 (Lei de Licitações) que, em seu artigo 31, Inciso II, determina que o devedor deverá apresentar “certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física”,  para que possa participar de processo licitatório. Aqui, observamos a não atualização desta Lei relativamente à Lei 11.101/05, já que esta substituiu o antigo instituto da Concordada pelo da Recuperação Judicial/Extrajudicial, o que quer dizer que nenhum devedor, ao se habilitar para os efeitos da RJ, poderá cumprir tal determinação, exatamente frente à não existência, no presente, do extinto instituto da Concordata. Nada obstante esta verdade, os órgãos promovedores de processos licitatórios   exigem dos participantes a certidão negativa de falência ou recuperação judicial, numa interpretação extensiva das disposições da Lei 8.666/93, o que não é permitido à Administração frente ao princípio da legalidade, conforme recente decisão  da Primeira Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça,  no AREsp 309.867/ES, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA,  julgado em 26/06/2018, DJe 08/08/2018,  cuja ementa, na integralidade, transcrevemos a seguir:

    “ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

    PARTICIPAÇÃO. POSSIBILIDADE. CERTIDÃO DE FALÊNCIA OU CONCORDATA.

    INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. DESCABIMENTO. APTIDÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA.

    COMPROVAÇÃO. OUTROS MEIOS. NECESSIDADE. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2). 2. Conquanto a Lei n. 11.101/2005 tenha substituído a figura da concordata pelos institutos da recuperação judicial e extrajudicial, o art. 31 da Lei n. 8.666/1993 não teve o texto alterado para se amoldar à nova sistemática, tampouco foi derrogado. 3. À luz do princípio da legalidade, “é vedado à Administração levar a termo interpretação extensiva ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa” (AgRg no RMS 44099/ES, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/03/2016, DJe 10/03/2016). 4. Inexistindo autorização legislativa, incabível a automática inabilitação de empresas submetidas à Lei n. 11.101/2005 unicamente pela não apresentação de certidão negativa de recuperação judicial, principalmente considerando o disposto no art. 52, I, daquele normativo, que prevê a possibilidade de contratação com o poder público, o que, em regra geral, pressupõe a participação prévia em licitação. 5. O escopo primordial da Lei n. 11.101/2005, nos termos do art. 47, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 6. A interpretação sistemática dos dispositivos das Leis n. 8.666/1993 e n. 11.101/2005 leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada dos princípios nelas contidos, pois a preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. 7. A exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica.

    1. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. (Grifamos).

     

    A rigidez da Lei, observamos, deve ser relativizada, segundo o STJ, para que o devedor/recuperando possa participar do processo licitatório, desde que o mesmo demonstre a sua viabilidade econômica, além da existência dos outros benefícios que a manutenção da atividade empresarial pode gerar à sociedade, como a manutenção dos empregos, a manutenção da fonte produtora e o interesse dos credores, entre outros. Ademais, é princípio vigente de que a Administração não pode interpretar restritiva ou extensivamente direitos, quando a Lei assim não o dispuser de forma expressa.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br