Recuperação judicial: Justiça Comum versus Justiça do Trabalho

    0

    Conflitos de Competência na Justiça brasileira é a coisa mais comum. Todavia, Conflitos de Competência entre a Justiça Comum estadual – a competente para processar e julgar Recuperações Judiciais – e a Justiça do Trabalho, é muito mais do que comum. Segundo a definição da grande doutrina brasileira,  Conflito de competência é o fato de dois ou mais juízes se darem por competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para o julgamento da mesma causa ou de mais de uma causa. Trata-se de um incidente processual originário que deve ser dirigido ao Tribunal competente para apreciar o conflito.

    Muito conhecido um Conflito de Competência suscitado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro na recuperação da Varig, que decorreu do ato do juiz condutor do feito (da Justiça Comum Estadual) leiloar determinados bens da recuperanda e, ao mesmo tempo, a Justiça do Trabalho arrestá-los para fazer frente aos créditos trabalhistas de diversos empregados da Varig. O órgão competente para o julgamento era o STJ, que decidiu como competente a Justiça Comum para cuidar dos bens da recuperanda, até mesmo pelo princípio do do juízo universal que se instala na recuperação judicial. No Recurso Extraordinário aviado junto ao Supremo Tribunal Federal, que entendeu naquela situação um caso de repercussão geral, a decisão foi no mesmo sentido. A partir de então – 2009 -, acreditava-se que a questão estaria definitivamente resolvida, até mesmo porque o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho editou normas a respeito, a qual orientaria seus magistrados.

    Tais normas receberam atualização recentemente, vez que o  TST editou “Normas Procedimentais referentes à Execução Contra empresas em Recuperação Judicial (atualizado em 24.02.2016) conforme   Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, que em seus artigos 80/84 orientam ( e não obrigam) os juízes da especializada a como  procederem diante de tal circunstância.

    Julgado recentemente – 15/09/2016 -, mais um dentre  as centenas de Conflitos de Competências entre as duas Justiças (este de Nº 146.036 – RS), também decorrente de atos praticados no processo de recuperação Judicial, a 2a Seção do STJ, tendo como Relator do Ministro  Ricardo Villas Boas Cueva, assim ementou sua decisão:

    “AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITOS TRABALHISTAS. PENHORA ANTERIOR.
    1. Encontra-se pacificado na jurisprudência desta Corte o entendimento de que, deferido o pedido de recuperação judicial, as ações e execuções trabalhistas devem prosseguir no âmbito do juízo universal, mesmo nos casos de penhora anterior ou naqueles em que ultrapassado o prazo de suspensão de que trata o artigo 6º, §4, da Lei 11.101/2005.
    2. Agravo interno não provido”.

    Para embasar seu julgamento, o emérito Ministro Relator citou ainda que

    “CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DO TRABALHO E JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ADJUDICAÇÃO DO BEM, NA JUSTIÇA TRABALHISTA, DEPOIS DE DEFERIDO O PEDIDO DE PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESFAZIMENTO DO ATO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL.
    1- A jurisprudência desta Corte assentou-se no sentido de que, decretada a falência ou deferido o processamento da recuperação judicial, as execuções contra o devedor não podem prosseguir, ainda que exista prévia penhora. Na hipótese de adjudicação posterior levada a efeito em juízo diverso, o ato deve ser desfeito, em razão da competência do juízo universal e da observância do princípio da preservação da empresa.
    2- De acordo com o entendimento deste Tribunal Superior, admite-se a prorrogação do prazo suspensivo das ações e execuções ajuizadas em face da sociedade em crise econômico-financeira, previsto no art. 6º, § 3º, da Lei n. 11.101/2005.
    3- Conflito de competência conhecido, declarada a competência do Juízo da Vara de Falência e Recuperações Judiciais e decretada a nulidade da adjudicação.”
    (CC 111.614/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/6/2013, DJe 19/6/2013)

    E citou mais este julgado: “PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DE DIREITO E JUÍZO DO TRABALHO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO DEFERIDO. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES.
    1. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, ao Juízo Laboral compete tão-somente a análise da matéria referente à relação de trabalho, vedada a alienação ou disponibilização do ativo em ação cautelar ou reclamação trabalhista.
    2. É que são dois valores a serem ponderados, a manutenção ou tentativa de soerguimento da empresa em recuperação, com todas as conseqüências sociais e econômicas dai decorrentes – como, por exemplo, a preservação de empregos, o giro comercial da recuperanda e o tratamento igual aos credores da mesma classe, na busca da ‘melhor solução para todos’ -, e, de outro lado, o pagamento dos créditos trabalhistas reconhecidos perante a justiça laboral.
    3. Em regra, uma vez deferido o processamento ou, a fortiori, aprovado o plano de recuperação judicial, revela-se incabível o prosseguimento automático das execuções individuais, mesmo após decorrido o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, §4, da Lei 11.101/2005.
    4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal.”
    (CC 112./99/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/3/2011, DJe 22/3/2011).

    Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno, determinando a comunicação urgente aos juízos conflitantes”.

    É que, nas Justiças, segue-se o velho adágio: cada caso é um caso. E sempre havera mais um dentro de processos de recuperação judicial que a Justiça Especializada acredita ser dela a competência para a prática de determinado ato, que, inevitavelmente, vai dar em outro Confito de Competência. E assim segue.