Momento da constituição do crédito na recuperação judicial

    0

    Decorrente das diversas disposições e das respectivas aplicações da Lei 11.101/05, LFRE, os tribunais brasileiros têm enfrentado em suas lides diversos Conflitos de Competência, sendo os mais comuns entre os juízos da recuperação judicial e Fazendas Públicas e entre o primeiro e os juízes da Justiça do Trabalho. Recentemente, entretanto, e diante de tantos, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por ter entendido que sempre a competência sobre bens do recuperando é do juízo da recuperação judicial, firmou tal entendimento através dos denominados recursos repetitivos.

    Trazemos hoje para nossos estudos um julgamento do STJ sobre Conflito de Competência, com certa peculiaridade, fugindo do mesmismo dos demais. Neste, busca-se saber de quem é a competência – se de juízo da recuperação judicial ou do juízo da Justiça do Trabalho, só que referentemente a um crédito já existente quando do pedido da RJ, sem contudo, estar ainda declarado. Ou seja, um trabalhador prestava serviços para a recuperanda anteriormente ao seu pedido de RJ, sendo este o objeto de seu pedido (supostos direitos adquiridos pela sua prestação de serviços), cuja Reclamatória foi ajuizada junto à especializada. Observaremos, pela inteira redação da ementa que abaixo transcreveremos, que nada obstante a citada Reclamatória tenha sido decidida posteriormente ao deferimento do procedimento da RJ, o que pesou na decisão do STJ foi o momento da constituição deste crédito, conforme o Conflito de Competência nº139.332/RS, cujo Relator foi o eminente Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 30/04/2018, que assim diz:

    “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. JUSTIÇA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. SERVIÇO PRESTADO EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
    EXISTÊNCIA. SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. POSTERIOR SENTENÇA DECLARATÓRIA DO CRÉDITO. ATO JUDICIAL QUE DECLARA O CRÉDITO JÁ EXISTENTE EM TÍTULO JUDICIAL. CONFLITO CONHECIDO E PROVIDO.
    COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
    1. O art. 49 da Lei 11.101/2005 prevê que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, o que conduz à conclusão de que a submissão de um determinado crédito à Recuperação Judicial não depende de provimento judicial anterior ou contemporâneo ao pedido, mas apenas que seja referente a fatos ocorridos antes do pedido.
    2. O art. 7º da Lei 11.101/2005 afirma que o crédito já existente, ainda que não vencido, pode ser incluído de forma extrajudicial pelo próprio Administrado Judicial, ao elaborar o plano ou de forma retardatária, evidenciando que a lei não exige provimento judicial para que o crédito seja considerado existente na data do pedido de recuperação judicial.
    3. O crédito trabalhista, relativo ao serviço prestado em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, submete-se ao respectivo procedimento e aos seus efeitos, atraindo a competência do Juízo da Recuperação Judicial, para processar a respectiva habilitação, ainda que de forma retardatária. Precedentes da Terceira Turma.
    4. Conflito conhecido e provido para declarar competente o Juízo da Recuperação Judicial”.

    Daí, tiramos o aprendizado de que o momento propriamente dito do pedido e de sua declaração de constituição, não tem, segundo a visão do Superior Tribunal de Justiça, nenhuma importância quanto a uma possível modificação da competência do juízo da RJ para a competência do juízo do trabalho, que efetivamente o declarou através de sentença. Fica-nos também muito claro que das disposições dos artigos 7º e 49º da Lei de Falências e Recuperação Judicial, dúvidas não restam de que o questionado crédito, além da sua existência quando do pedido da RJ, pode também, embora ainda não declarado via sentença da Justiça especializada, ser incluído junto aos demais pelo Administrador Judicial, até mesmo de forma retardatária, e que a Lei não exige que o mesmo seja declarado quando do pedido da RJ.

    Quanto à questão da discutida competência (se do juízo recuperacional ou do trabalhista), o STJ entende que a presença deste último foi somente para declarar o crédito – até mesmo porque ele é competente para tal -, entretanto, quanto ao futuro deste crédito ora reconhecido, compete exclusivamente ao juízo da recuperação judicial.

    Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial, do escritório Limiro Advogados Associados S/S, Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; A Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Ed. Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito. É atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br