Alienção fiduciária em garantia na recuperação judicial. Competência

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    Embora por diversas vezes tenhamos abordado neste espaço as questões de Conflitos de Competência ocorridos em processos de recuperação judicial, desaguando, sempre, no Superior Tribunal de Justiça, STJ, mas, por entendermos muito peculiar a situação dos nossos estudos hoje, voltamos ao assunto. A abordagem tem um ângulo completamente diferenciado, pois analisaremos um caso que, em princípio, não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial. Todavia, ao fim, constataremos que, pelas circunstâncias do julgado, a questão se ajustou ao processo de recuperação judicial, e como sempre, com a competência dirimida em favor do juízo estadual que preside a recuperação judicial, figurando o credor numa posição que dificilmente lhe proporcionará condições de recebimento daquilo que lhe sobejou pós-julgamento do Conflito de Competência.

    No presente Conflito de Competência – (CC 128.194/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/06/2017, DJe 01/08/2017), o objeto é um imóvel dado como garantia em alienação fiduciária, cujo credor o adjudicou, consolidando-se, desta forma, a propriedade em seu favor, e posteriormente o alienou. Todavia, o preço da venda não quitou toda a dívida, restando, ainda, um saldo devedor. Daí, na recuperação judicial,  as afirmações/indagações: em conformidade com o artigo 49, § 3º da LFRE nº 11.101/05, o instituto da alienação fiduciária em garantia não se submete aos efeitos da recuperação judicial; por isto, a execução do saldo devedor existente em favor do credor deveria ter como juízo competente para se conhecer de tal matéria o da RJ ou qualquer outro distribuído?

    Na ementa transcrita abaixo do acima mencionado Conflito de Competência, o STJ dirime as dúvidas por acaso existentes: “CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. JUÍZO DA EXECUÇÃO DE CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DEVEDOR FIDUCIANTE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE PELO FIDUCIÁRIO. VENDA DO BEM. EXTINÇÃO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA. VALOR ARRECADADO INSUFICIENTE PARA O PAGAMENTO DA DÍVIDA. SALDO DEVEDOR. NATUREZA QUIROGRAFÁRIA. SATISFAÇÃO DO REMANESCENTE DA DÍVIDA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. A princípio, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bem móvel ou imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial, consoante disciplina o art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005. 2. Porém, no caso dos autos, o bem alienado fiduciariamente em garantia já foi objeto de apreensão judicial e adjudicado ao exequente, com a consolidação da propriedade e sua posterior alienação. 3. Desse modo, o presente conflito de competência é circunscrito à definição do Juízo perante o qual devem prosseguir os atos tendentes à satisfação do remanescente do crédito derivado de contrato de alienação fiduciária em garantia, visto que a consolidação da propriedade do bem dado em garantia, e sua consequente e necessária alienação, não foi suficiente para a quitação integral da dívida. 4. Segundo a doutrina e os precedentes específicos desta Corte, no caso de alienação fiduciária em garantia, consolidada a propriedade e vendido o bem, o credor fiduciário ficará com o montante arrecadado, desaparecendo a propriedade fiduciária. Eventual saldo devedor apresenta natureza de dívida pessoal, devendo ser habilitado na recuperação judicial ou falência na classe dos credores quirografários. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da Recuperação Judicial”.

    Ora, se o bem dado em garantia no contrato de alienação fiduciária foi adjudicado (houve a consolidação na propriedade do credor) e este, alienando-o, fez desaparecer a propriedade fiduciária. Todavia, o crédito não foi coberto pelo valor da venda, restando ainda um montante em favor do credor, o qual, segundo os precedentes e o presente julgado no STJ, toma a natureza de crédito pessoal, o qual deverá ser habilitado como crédito quirografário nos autos da recuperação judicial. Esta posição joga o credor lá para o final da fila, correndo o sério risco de nada receber, vez que tem como concorrentes, na RJ; (i) extraconcursais: (ii) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; (iii) titulares de créditos com garantia real; (iv)  titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte; e, (v) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados. Por fim, a reafirmação do STJ de que quem competência sobre os destinos do patrimônio da recuperanda é o juízo da recuperação Judicial.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br