A suspensão das ações e execuções na recuperação judicial

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    A LFRE, de número 11.101/05,  prevê a suspensão,  (“a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor…”) – art. 6º -,  mas não a extinção das mesmas. Nada obstante, nos parece, a clareza da luz solar expressa no dispositivo legal da Lei 11.101/05, quando diz que as ações serão suspensas, existem devedores que, após o deferimento do processamento da recuperação judicial, pleiteiam a extinção das mesmas. Uma questão dessa natureza foi enfrentada pelo digno Desembargador Dr. Norival Santomé, 6a Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, quando, em julgamento de Agravo de Instrumento, na condição de Relator, e aplicando os princípios reguladores da Lei de recuperação de empresas e falências, especialmente o da continuidade da atividade, clarificou, para o requerente, que a situação não era bem aquela pretendida, mas de mera suspensão, conforme podemos observar na síntese contida na Ementa abaixo. Assim se expressou o culto Des. Norival Santomé: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO EXECUTÓRIA. EXCEÇÃO. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. Havendo sido aprovado o plano de recuperação judicial da empresa, em atendimento ao princípio da continuidade das sociedades empresárias, deve-se suspender, e não extinguir, as ações executórias individuais propostas, ainda que antes da realização do procedimento da citada recuperação, eis que além do princípio supra mencionado, também deve observar o julgador a segurança da empresa credora. AGRAVO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO”. (TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 411811-80.2011.8.09.0000, Rel. DES. NORIVAL SANTOME, 6a CÂMARA CÍVEL, julgado em 08/05/2012, DJe 1069 de 25/05/2012).

    Todavia, qual o termo inicial das suspensões das ações e execuções na recuperação judicial?  Nada obstante, a nosso ver, a clareza do disposto no artigo 6º.  ora sob estudos, paira ainda certa confusão a respeito do termo inicial da suspensão de todas as ações e execuções em face do devedor, alguns pretendendo que tal termo ocorra a partir do protocolo do pedido de recuperação judicial. Tais pretensões se justificam, pois na prática, embora louváveis os esforços e diligências dos dignos magistrados, há casos em que o despacho do deferimento só ocorre após 30 (trinta) dias ou mais do protocolo – o que é compreensível em conformidade com as peculiaridades de cada caso. E daí, a justa pretensão  do devedor que se encontra nessa situação, pois todos os atos praticados dentro de todas as ações e execuções que tramitam contra o mesmo, inclusive após o protocolo do pedido e até o despacho deferitório do processamento da RJ, serão válidos.

    Na sua grande responsabilidade de interpretar as normas infraconstitucionais, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou sobre a questão, eliminando qualquer dúvida sobre o termo inicial da suspensão das ações e execuções contra o recuperando. Em Ementa de lavra do eminente Ministro Raul Araújo, nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 105.345 – DF (2009⁄0099044-9), em uma interpretação que classificou como sistemática e afirmando serem ex nunc os feitos do despacho deferitório da RJ, assim se posicionou, entre outros utilíssimos pensamentos: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. OBSCURIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 49 DA LFR (LEI 11.101⁄2005). SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES CONTRA O DEVEDOR. TERMO INICIAL. DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO COM EFEITOS “EX NUNC”. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. 1. A regra do art. 49 da Lei 11.101⁄2005 merece interpretação sistemática. Nos termos do art. 6º, caput, da Lei de Falências e Recuperações Judiciais, é a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial que todas as ações e execuções em curso contra o devedor se suspendem. Na mesma esteira, diz o art. 52, III, do referido diploma legal que, estando a documentação em termos, o Juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato, ordenará a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor. Assim, os atos praticados nas execuções em trâmite contra o devedor entre a data de protocolização do pedido de recuperação e o deferimento de seu processamento são, em princípio, válidos e eficazes, pois os processos estão em seu trâmite regular. 2. A decisão que defere o processamento da recuperação judicial possui efeitos “ex nunc”, não retroagindo para atingir os atos que a antecederam. 3. O art. 49 da Lei 11.101⁄2005 delimita o universo de credores atingidos pela recuperação judicial, instituto que possui abrangência bem maior que a antiga concordata, a qual obrigava somente os credores quirografários (DL n. 7.661⁄45, art. 147). A recuperação judicial atinge “todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, ou seja, grosso modo, além dos quirografários, os credores trabalhistas, acidentários, com direitos reais de garantia, com privilégio especial, com privilégio geral, por multas contratuais e os dos sócios ou acionistas. 4. O artigo 49 da LFR tem como objetivo, também, especificar quais os créditos, desde que não pagos e não inseridos nas exceções apontadas pela própria lei, que se submeterão ao regime da recuperação judicial e aqueles que estarão fora dele. Isso, porque, como se sabe, na recuperação judicial, a sociedade empresária continua funcionando normalmente e, portanto, negociando com bancos, fornecedores e clientes. Nesse contexto, se, após o pedido de recuperação judicial, os débitos contraídos pela sociedade empresária se submetessem a seu regime, não haveria quem com ela quisesse negociar. 5. Na hipótese, o aresto embargado deu ao dispositivo infraconstitucional a interpretação que entendeu pertinente, dentro do papel reservado ao STJ pela Carta Magna (art. 105), concluindo que o crédito fora validamente adimplido antes do deferimento do processamento da recuperação judicial, momento em que a execução não estava suspensa e eram válidos e eficazes os atos nela praticados, razão pela qual o Juízo do Trabalho é o competente para ultimar os atos referentes à adjudicação do bem imóvel. 6. Embargos de declaração acolhidos, para sanar obscuridade, sem efeitos infringentes.”

    Importante destacar-se que ambos os pensamentos dos Egrégios Tribunais de Justiça do Estado de Goiás e do STJ, ao tratarem das suspensões das ações e execuções na recuperação judicial, levam em consideração os princípios que precederam a confecção da lei de regência, especialmente o da manutenção da atividade ou da continuidade da empresa, demonstrando, assim, a necessária sintonia sobre a aplicabilidade da Lei. Portanto, tais princípios para se suspender as ações e execuções nas RJ, ao longo do tempo, incorporaram-se, definitivamente, no seio da Lei 11.101/05.

    Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br