A Novação na Recuperação Judicial

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    Dentre as tantas peculiaridades existentes na LFRE, número 11.101/05, por certo, a que mais chama a atenção dos doutrinadores e especialmente dos julgadores é a da novação, prevista no artigo 59 da citada Lei, que diz: “O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei”. Tais dispositivos, de princípio, leva o operador do direito a consultar no Código Civil o citado instituto da novação, previsto no seu artigo de número 360, que assim prescreve: “Dá-se a novação: I – quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior; II – quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor; III – quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.”  Na recuperação judicial, o que corriqueiramente ocorre é o caso  previsto no acima transcrito Inciso I do Art. 360 do Código Civil, ou seja, “quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior”.

    Entretanto, na própria Lei 11.101/05, encontramos disposições que se chocam  quanto ao instituto da novação, como por exemplo,  as previstas no artigo 61 e seus parágrafos, que dizem: “Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial. § 1o Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73 desta Lei. § 2o Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial”. Ora,  se num processo de recuperação judicial, após a aprovação do plano e estando este em pleno cumprimento, ocorrer a última hipótese (a do § 2º retro transcrito), como ficaria o instituto da novação que lá atrás se deu? E a situação dos credores que tem garantias como avais, fiadores e garantidores de um modo geral, bem como garantias reais?

    Em casos como o analisado nos presentes estudos, necessário o entendimento dos julgadores para se direcionar os caminhos a serem seguidos. Como o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, STJ,  é a última instância para conhecer e julgar as questões infra-constitucionais – que é o presente caso -,  ele nos dá a resposta de como se proceder. Em recentíssimo julgado: (AgInt no REsp 1667901/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 02/10/2017), que trata da novação, ficou assim ementado: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NOVAÇÃO DOS CRÉDITOS CONSTANTES DO PLANO. CONDIÇÃO RESOLUTIVA. SUSPENSÃO DAS EXECUÇÕES PROPOSTAS CONTRA A EMPRESA RECUPERANDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A aprovação e homologação do plano de recuperação judicial conduzem à suspensão dos atos executivos originários de outros órgãos judiciais. Precedente. 2. Agravo interno desprovido”.

    Este entendimento do STJ, porém, não se deu na data acima mencionada, sendo o mesmo uma repetição de julgamentos anteriores, como o seguinte: “Efetivamente, como colacionado na deliberação unipessoal, “a extinção das obrigações,  decorrente da homologação do plano de recuperação judicial encontra-se condicionada ao efetivo cumprimento de seus termos. Não implementada a aludida condição resolutiva, por expressa disposição legal, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originariamente contratadas (art. 61, § 2º, da Lei número 11.101/05”. (Resp 1.532.943/MT, Rel. Ministro Marco Aurélio Belizze, Terceira Turma, julgado em 12/9/2016, DJe 10/10/2016”. É que nesta hipótese, segundo entendimento firmado pelo Egrégio STJ, “a novação prevista na Lei civil é bem diversa daquela disciplinada na Lei nº 11.101/05. Se a novação civil faz, como regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do Código Civil), a novação decorrente do plano de recuperação traz como regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei nº 11.101/05, sobretudo as reais, as quais só serão suprimidas ou substituídas “mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50,  1º). Assim, o plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a uma condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano (art. 61, § 2º, da Lei nº 11.101/05). Portanto, muito embora o plano de recuperação judicial opera novação nas dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias, de regra, são preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execucões aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral. Deveras, não deveria haver lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei 11.101/05) dissesse respeito apenas ao interregno temporal que medeia o deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando tais direitos após a concessão definitiva com a homologação judicial”. (Resp 1.326.888/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 08/04/2014, DJe 05/05/2014).

    Há na novação, para os efeitos da recuperação judicial, que se obedecer a uma condição resolutiva (o correto cumprimento do plano de recuperação judicial nos dois anos após sua homologação). Passado este período, nada obstante a continuidade do cumprimento da recuperação judicial – que pode ter seu cumprimento em tempo maior que os dois anos sob os olhos do Judiciário, entendemos que a condição resolutiva se verificou, e a novação, por consequência, definitivamente operada.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br