Cláusula de tolerância na entrega de imóvel pode ser nula por violar direito à informação

Wanessa Rodrigues

Adquirir a casa própria é o sonho de muitos brasileiros. Para conseguir realizar esse desejo, muitos compram o imóvel ainda na planta com a expectativa de receber o bem no tempo determinado pelas construtoras. É neste momento que surgem um dos problemas mais recorrentes dos últimos tempos: o descumprimento do prazo para a entrega das chaves. A alegação das construtoras é a de que elas podem atrasar 180 dias, conforme descrito em contrato. Mas, o que muito consumidores não sabem, é que esta cláusula pode ser nula.

O advogado Leandro Marmo
O advogado Leandro Marmo levanta nova discussão em relação à cláusula de tolerância

Decisões recentes têm considerado essa cláusula abusiva e condenado as construtoras ao pagamento de indenizações aos consumidores. Em Goiás, pelo menos dois desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) têm adotado esse entendimento. Mas, o advogado Leandro Marmo Carneiro Costa, do escritório João Domingos Advogados Associados, especialista em Direito Imobiliário, levanta uma nova discussão em relação à cláusula de tolerância na entrega do imóvel em construção. Trata-se da violação ao direito à informação.

Apesar de decisões considerarem a cláusula abusiva, o entendimento predominante no Poder Judiciário, segundo o advogado, ainda é de que a cláusula contratual em comento é válida. Tendo em vista, em síntese, ser comum e recorrente a ocorrência de intempéries na construção civil, como falta de materiais, mão de obra especializada, atrasos na burocracia da emissão de licenças que podem impedir o cumprimento do prazo de entrega inicialmente estabelecido.

No entanto, segundo o advogado, o que chama a atenção e que não tem sido objeto de discussão no Poder Judiciário diz respeito à nulidade da cláusula de tolerância no atraso da entrega do imóvel quando a mesma viola o direito à informação do consumidor. O especialista lembra que o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) preceitua que é direito básico do consumidor o acesso “a informação adequada e clara” sobre o produto ofertado.

Costa explica a violação ao direito à informação sob quatros aspectos. O primeiro deles diz respeito à publicidade. Conforme diz, tem-se como regra que os anúncios publicitários de oferta dos imóveis em construção, ao informarem a data prevista para conclusão e entrega do imóvel, não fazem a ressalva de que existe um enorme prazo de tolerância para atraso na entrega das chaves. Assim, cria-se de imediato no consumidor a expectativa de que ao comprar aquele imóvel ele irá recebê-lo no mês e ano informados.

E essa é uma informação essencial sobre o produto (artigo 37, parágrafo 3°, CDC), eis que a decisão de muitos consumidores se ampara justamente nela. Muitas pessoas realizam planejamento familiar com expectativa na data informada para entrega, como, por exemplo, casamento, contrato de locação e mudança de escola dos filhos. “Diante dessa situação de omissão quanto à existência do prazo de tolerância com o intuito de induzir em erro o consumidor, vislumbramos clara violação as normas consumeristas”, salienta.

Em uma segunda análise, tem-se o momento prévio da celebração do contrato de compra do imóvel, em que um representante legal, geralmente um corretor de imóveis contratado pela construtora, irá realizar a apresentação do imóvel ao consumidor interessado em adquiri-lo. Neste momento, se o consumidor já não houver sido informado pelos meios publicitários quanto ao prazo de entrega, o será informado pelo vendedor, o qual em regra também não o alerta sobre a existência do prazo de tolerância. Apenas informando sobre a data prevista para entrega e, por vezes persuadindo e convencendo o consumidor a adquirir o imóvel justamente em virtude da referida data.

Indução a erro
Assim, nessas duas situações, o advogado observa que o consumidor por vezes é induzido a erro quanto à data em que o imóvel em construção deverá ser entregue. Isso por não ser repassada informação essencial de forma clara e adequada quanto à possibilidade de prorrogação por tempo considerável. “O que configura carência de informação e ou propaganda enganosa, razão pela qual entendo que ainda que a cláusula de tolerância conste no contrato, ela será nula ou simplesmente ineficaz nos termos do artigo 30 c/c artigos 18, 20, 22, 31, 33, 35, 46, 47, 48 e 51. XV do CDC”, esclarece.

Redação
As outras duas situações são analisadas diante da forma pela qual a cláusula dos 180 dias é redigida e inserida no contrato de adesão celebrado com o consumidor. A primeira nulidade que existe na redação de praticamente todos os contratos dessa natureza circunscreve-se quanto à ausência de destaque para a cláusula de tolerância. Ou seja, não é negritada, sublinhada, não possui grifo, fonte ou tamanho maior da letra. Havendo neste caso clara violação do disposto no parágrafo 4° do artigo 54 do CDC, o qual preceitua que “As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”

A segunda nulidade ocorre quando o prazo previsto para a entrega do imóvel e a cláusula de tolerância são redigidos em pontos distintos do contrato. Por exemplo, quando se informa na primeira página do contrato qual é a data prevista para a entrega, e na página 35 se insere a cláusula de tolerância permitindo a prorrogação para a entrega do imóvel.

Conforme o advogado, independentemente do tamanho do contrato e, se a cláusula de tolerância foi redigida com o destaque necessário, tal estratégia tem nítido e indiscutível intuito de induzir a erro o consumidor, configurando profunda má-fé, dificultando e impedindo o acesso a informação clara e adequada. “O artigo 46 do CDC é expresso em dispor que os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores (…) se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. E o art. 51, XV do CDC, igualmente aplicável, dispõe ser nula tal cláusula contratual”, declara.