Juiz acredita que o Judiciário será acionado para permitir aborto em caso de microcefalia

Marília Costa e Silva

O Ministério da Saúde confirmou 404  casos de microcefalia e/ou outras alterações do sistema nervoso central, dos quais 17 estão relacionados ao vírus Zika. As informações estão em boletim divulgado nesta terça-feira (2) pela pasta, que descartou 709 casos. Ainda estão sendo investigados pelo ministério e pelas secretarias estaduais de Saúde 3.670 casos suspeitos de microcefalia em todo o país, o que representa 76,7% das notificações. O boletim refere-se aos casos registrados até 30 de janeiro.

Em 27 de janeiro, o Ministério da Saúde informou que foram registradas 62 notificações desse tipo de má-formação congênita apenas em Goiás. Em 11 delas, há suspeita de que a microcefalia também tenha sido causada pelo vírus Zica, transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti. E o aumento da incidência de casos, já considerado emergência pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS),  está reabrindo o debate sobre o aborto no País.

O juiz goiano Jesseir Coelho de Alcântara já autorizou uma série de abortos legaisenvolvendo o vigilante
O juiz de Goiânia, Jesseir Coelho de Alcântara, já autorizou vários abortos legais

Atualmente, em território nacional, só é permitido interromper uma gravidez quando há risco de vida para a mãe, quando a gestação é resultante de um estupro ou se o feto for anencéfalo (sem cérebro). Esta última possibilidade foi autorizada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2012.

E como a microcefalia não está incluída no rol dos casos nos quais o aborto é legal, a expectativa é de que a Justiça deverá ser acionada para autorizar a interrupção da gravidez de fetos com má-formação congênita. O juiz da 1ª Vara Criminal de Goiânia, Jesseir Coelho de Alcântara, um dos poucos que autorizam abortos em casos excepcionais no Estado, afirma ao Rota Jurídica que, assim como no caso dos bebês anencéfalos, se houver risco comprovado por laudos médicos de que o bebê nascerá morto, ele será favorável ao aborto em caso de microcefalia.

“Entendo que, para deferimento de um pedido por parte de uma gestante interessada, tem de ser exigidos laudos técnicos comprovando a impossibilidade de vida do feto e parecer favorável do Ministério Público”, afirma o magistrado, assegurando que “não se pode banalizar a questão do aborto fora dos casos contemplados pela lei penal”.

Conforme Jesseir, que já autorizou abortos de vários bebês anencéfalos,  de dois fetos com Síndrome de Edward e  de um com Body-Stalk, ainda não ocorreram pedidos de autorização de aborto de fetos com microcefalia no Estado. “Mas, acredito que em breve o Poder Judiciário pode, sim, ser acionado, para decidir casos que envolvem esse tipo de má-formação”, pondera.

Além das discussões locais, os casos envolvendo a possibilidade de aborto de bebês com microcefalia chegará em breve no Supremo Tribunal Federal. O grupo que prepara a ação argumenta que a mulher não deve ser punida por uma falha das autoridades em controlar o mosquito transmissor da doença, o mesmo da dengue.

Além disso, o grupo argumenta que a ilegalidade do aborto e a falta de políticas de erradicação do Aedes Aegypti ferem a Constituição Federal em dois pontos: direito à saúde e direito à seguridade social.

Enquanto corre a discussão legal a respeito do tema, abortos clandestinos, muitas vezes feitos sem cuidados médicos adequados, continuam ocorrendo no país. Segundo a OMS, a cada dois dias uma mulher morre no Brasil em decorrência dos cerca de 800 mil abortos ilegais estimados anualmente.

Governo dará salário mínimo a bebês com microcefalia
Bebês diagnosticados com microcefalia em todo o país vão ter direito a receber um salário mínimo por mês, uma espécie de aposentadoria, desde que pertençam a famílias com renda mensal de até R$ 220 (um quarto do salário mínimo) por pessoa.

A medida deve ser anunciada nos próximos dias pelo governo federal como forma de proteção às famílias pobres com crianças portadoras da má-formação.

O Ministério da Saúde já repassou a lista com os municípios onde foram registrados casos de microcefalia para que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) faça um cruzamento com o cadastro único do governo de benefícios sociais.

O Benefício de Proteção Continuada (BPC), instituído pela Constituição de 1998 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), garante um salário mínimo mensal a idosos com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência que não tenham meios para se sustentar nem podem ser sustentadas pela família, independentemente da idade.

Atualmente, 4,2 milhões de pessoas são beneficiadas. O orçamento deste ano, sem incluir os casos de microcefalia, estima pagamentos de R$ 48,3 bilhões.