Sobre o modelo de legalização da maconha para o Brasil

Alexandre Pacheco Martins

Independentemente da decisão que o Supremo Tribunal Federal tomar sobre a despenalização e descriminalização da maconha no país, sociedade, especialistas no assunto e poder legislativo precisam dialogar sobre qual seria o modelo de legalização da maconha mais adequado para o Brasil. O modelo ideal é aquele que descriminaliza não só o uso, mas também a venda, mas principalmente aquele que coloca o ser humano como o elemento principal de preocupação da discussão. Retira-se o foco da área policial e se passa a tratar o consumo de drogas pelo que realmente é, questão de saúde pública. Isto significa o fortalecimento dos mecanismos de controle e fiscalização, inclusa a tributação de todos os recursos financeiros envolvidos para que sejam voltados integralmente para a saúde dos dependentes químicos numa política eficaz de redução de danos para os usuários.

O ponto principal é voltar os olhos para a realidade brasileira, pois o número de pessoas encarceradas por conta da criminalização da temática de drogas é muito grande. No país, confunde-se a imagem do usuário com a do traficante, pois não há critério objetivo para determinar a linha que divide o uso do tráfico. E até o presente momento este critério é determinado subjetivamente pelas autoridades que lidam com a questão. O Brasil pode se espelhar em outras nações que já adotaram medidas semelhantes e determinam regras claras sobre a comercialização e uso da maconha, como a Holanda que limita a venda em a trinta gramas ou Portugal que define a margem de vinte gramas de maconha ou ainda como o Uruguai que optou pelo modelo de venda exclusiva pelo próprio Estado aos usuários, para compatibilizar controle e o cuidado com os usuários.

A descriminalização do porte de drogas para consumo é medida constitucionalmente legítima, devido a razões jurídicas e pragmáticas. É o que diz o ministro Luís Roberto Barroso na recente apreciação do Habeas Corpus 143798 MC/SP na qual afirma que a política de drogas brasileira fracassou, além do alto custo do encarceramento em massa e dos prejuízos à saúde pública. E diga-se que, neste processo, o ministro atendeu o pedido da Defensoria Pública para suspensão do processo penal contra um homem acusado de tráfico pela importação de 14 sementes de maconha. Isto porque a corte ainda julga o Recurso Extraordinário 635659, que trata da legalidade da posse de maconha para o uso pessoal, seja recreativo ou com fins terapêuticos.

A tramitação deste caso permanece interrompida enquanto o julgamento sobre a (in) constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas brasileira não for finalizado. Até o momento três dos onze ministros já votaram a favor da descriminalização do uso e porte da maconha durante análise do RE 635659. O próprio Ministro Barroso, Ministro Fachin e o Ministro Gilmar Mendes, este último publicamente contra a legalização da maconha. O ministro Teori Zavascki seria o quarto ministro a proferir o voto, mas pediu vistas do processo antes do acidente fatal de avião em janeiro. Agora, este Recurso Extraordinário deve ser encaminhado ao Ministro Alexandre de Moraes.

A referida ação penal se assemelha a tantos outros casos nos quais há grande probabilidade que a maconha importada fosse destinada ao uso. As sementes são plantadas e produto final destinado ao consumo pessoal. A decisão do ministro do Barroso foi o melhor caminho pois resguarda a ação penal para ser analisada como de fato precisa. E não há dúvidas que o entendimento do Conselho Institucional do Ministério Público Federal de que a importação de sementes de maconha para uso particular não pode ser considerada crime contribui nas discussões da Suprema Corte. O CIMPF considera que a importação de pequena quantidade de sementes não ofende a legislação penal a ponto de ser crime de contrabando, tampouco tráfico internacional de drogas.

O próprio Supremo sofre duras críticas de segmentos sociais que imputam a hipótese de os ministros legislarem sobre o tema. O que não é fático. A verdade é que o STF cumpre efetivamente seu papel ao fazer o controle da constitucionalidade da lei de drogas. E, se entender que alguns dispositivos da referida lei são incompatíveis com a Constituição Federal será absolutamente normal que a Suprema Corte declare a inconstitucionalidade. Obviamente a atualização da lei cabe ao Legislativo, mas é sabido que determinadas discussões não avançam no Congresso Nacional neste grave momento da política brasileira. A questão de drogas é uma delas.

Já o fato de a parcial do julgamento estar em 3 a 0 gera grande expectativa em torno daqueles que militam pela despenalização e descriminalização da substância no país. A tendência é de manutenção do entendimento, mesmo que ainda seja impossível cravar o resultado final do juízo. Independente disto, ressalta-se que a necessidade real do país se dá na elaboração de uma política séria e eficaz de cuidado com os usuários de drogas, também entendida como questão de saúde pública e que esteja de acordo com a realidade específica da população brasileira e não como um mero ato de marketing como recentemente temos visto.

*Alexandre Pacheco Martins, criminalista e sócio fundador do Braga Martins Advogados