O Xis da Questão

A Carta Constitucional define igualdade (material) entre Homens e Mulheres, nos direitos e obrigações. O Código Civil confere paridade entre os sexos na direção da sociedade conjugal, no registro e no cuidado aos filhos, na administração dos bens do casal. A titularidade de mulheres sobre a terra, em planos de reforma agrária já é prevista. A Lei Penal já extirpou o termo mulher honesta; e já limou do perdão a agressores, o casamento do estuprador com a vítima. As leis trabalhistas garantem iguais salários, acesso ao mercado de trabalho e ascensão profissional, além de estabilidade para a mulher gestante, ou que adota. A legislação da Saúde rege integral assistência à mulher em todas as fases de sua vida, mesmo se ela não quiser/puder ser procriadora. O Estado assegura liberdade de pensamento e expressão a todos, desde que não veiculem preconceitos e estereótipos discriminatórios, sob pena de responsabilidade. E isso também é proteção ao direito de ser respeitada por opiniões, manifestações, ausência ou inserção em padrões, à imagem externa e ao sentimento interno.

No plano da violência, leis criminalizam firmemente atos de agressão física, psicológica e emocional, sexual, patrimonial, dentro e fora do lar. A mais recente delas alterou o artigo 121 do Código Penal, e previu condição específica do generocídio, quando estatuiu a condição do sexo feminino, como elementar para o assassinato praticado contra mulheres, por circunstância de crimes de violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação ao gênero feminino.

Por que, então, não nos deparamos com o estancamento e a diminuição de mortes, abusos sexuais, estupro, agressões e outras violências, cuja razão seja o gênero, se além do recrudescimento de leis penais, existe nas legislações o ideário de isonomia entre os sexos e de proteção material às características feminis?

Para naturalistas como Troper (Fisolofia do Direito), o conteúdo das regras do direito exprimem preferências políticas e morais, de quem legisla. E mesmo que a norma sequer existisse, subsistiriam princípios de justiça que governariam tais questões, supralegalmente.

Logo, as leis e as proteções à Mulher e a paridades de gênero apenas revelariam aquilo que é natural, imanente de uma condição, cabendo ao direito pacificação social, ao regular condutas que resistam à razão humana.

A vulnerabilidade do sexo feminino diante da realidade de violência que assola o mundo, o país, os Estados e municípios, vista em índices de criminalidade contra a mulher talvez se explique nisso: na resistência ao reconhecimento e respeito ao que há de mais intrínseco e peculiar à Mulher, num contexto de inferioridade social, que atravessa séculos e ainda guarda resquícios irrefletidos em ações e comportamentos. Se assim não fosse, sequer seria preciso o direito para regular, a discriminação nem seria fato com relevância jurídica.

A negação desses direitos, ao passo que demandam positivação de comportamentos em belas legislações escritas, ao mesmo tempo lhes retira eficácia, seja pelo descumprimento das previsões, seja pela ausência de efetividade na aplicação do que está na norma.

Assim, a intenção do legislador pode ser uma, mas de nada vale, ou muito pouco avança, quando o paradigma social defende culturas de subjugação e superioridade do masculino sobre o feminino, dando seguimento à educação sexista que recebemos.

Uma sociedade construída sobre o patriarcalismo que se firma em não ruir, no pensamento e nas ações de homens e mulheres que sacralizam e discriminam as diferenças, no cotidiano da vida, não há de consolidar parâmetros igualitários, por mais óbvios que pareçam à finalidade da justiça.

É preciso desconstruir esses modelos e operar novas relações de verdadeira identificação entre Homens e Mulheres, como Humanidade: todo.

O grande xis da questão para que mortes e violências à Mulher ocorram pelos simples fato de serem mulheres, com base na opressão de gênero, na misoginia e no machismo, não sucumbam ao direito e sua ética é o perpetuar de uma estagnação cultural de oposição a direitos e dignidades humanas específicas, que singularizam a proteção a direitos femininos. Todavia, romper com isto nada mais será que contemplar materialmente, no sentido de Rui Barbosa, a igualdade. E assim, caminhar para uma sociedade mais justa, mais digna e mais equânime.

*Ariana Garcia é advogada, especialista em Direito Constitucional, conselheira seccional da OAB-GO e membro da Comissão Nacional da Mulher Advogada no CFOAB