O débito e as ferramentas de coerção ao pagamento

Especialmente em tempos de crise ampliam-se os descumprimentos das obrigações. Em sendo estas documentadas por contrato assinado pelo devedor e por duas testemunhas, tem-se o chamado título executivo extrajudicial (art. 784, III, do CPC – Código de Processo Civil), que autoriza a propositura da ação de execução contra o devedor (art. 786, CPC), cujo procedimento é relativamente rápido em relação ao processo de conhecimento.

Sem documento assinado pelo devedor, resta ao credor a ação de conhecimento pelo procedimento comum (art. 318, CPC), com fases processuais extremamente demoradas em relação à execução, para que primeiramente seja reconhecido o seu direito em um título executivo judicial (art. 515, I, CPC). Somente depois é que poderá ser instaurada a execução (ou pedido de cumprimento) da sentença contra o devedor (art. 523 e seguintes do CPC).

Multa e honorários de 10%

Pois bem. De posse do título executivo, em se tratando de execução (ou pedido de cumprimento) de sentença, a primeira ferramenta de coerção judicial contra o devedor é a ameaça da multa de 10% sobre o débito e o acréscimo de mais 10% de honorários advocatícios, caso não pago em 15 dias, com a consequente ordem de penhora dos bens do devedor (art. 523, §§ 1º e 3º, CPC).

Protesto da sentença em cartório

Insistindo o devedor em não pagar e não sendo encontrados bens para a penhora, o credor poderá obter (independente de ordem judicial) certidão de que a sentença transitou em julgado (ou seja, não cabe mais recurso), a fim de protestar a sentença no cartório de protestos, do mesmo modo que se faz em relação a um cheque ou uma nota promissória não paga. Esse protesto será cancelado a pedido do devedor e por ordem do juiz, desde que paga a dívida (517, CPC).

“Negativação” do devedor

Outra ferramenta de grande valia para constranger o devedor ao pagamento, caso citado para o pagamento, resista em pagar e não sejam encontrados bens para a penhora, é a possibilidade de inclusão do seu nome na SERASA e no SPC (art. 782, § 3º, CPC), mas pelo prazo máximo de 5 anos, conforme art. 43, § 1º, do CDC: “Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos”, bem como Súmula 323 do STJ:

Súmula 323, STJ: “A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução”

Vale dizer que o termo inicial para a contagem dos cinco anos se dá a partir do vencimento da obrigação, e não da inserção do nome nos cadastros de inadimplentes, sob pena de ensejar o reconhecimento de danos morais sofridos pelo devedor “negativado” por tempo superior ao permitido, conforme REsp 1.316.117-SC, DJe 19/08/2016:

  1. Interpretação literal, lógica, sistemática e teleológica do enunciado normativo do §1º, do art. 43, do CDC, conduzindo à conclusão de que o termo ‘a quo’ do quinquênio deve tomar por base a data do fato gerador da informação depreciadora.
    4. Vencida e não paga a obrigação, inicia-se, no dia seguinte, a contagem do prazo, independentemente da efetivação da inscrição pelo credor. Doutrina acerca do tema.

REsp 1.316.117-SC, DJe 19/08/2016.

Hipoteca judiciária da sentença

Uma outra ferramenta, pouco utilizada na prática forense, é a possibilidade que o vencedor de uma ação judicial tem de promover a “hipoteca judiciáriada sentença, mediante averbação à margem da matrícula do imóvel, no Cartório de Registro em que figurar o réu como proprietário, isto mesmo que haja recurso com efeito suspensivo contra sentença (art. 495, § 1º, III, CPC). Se alguém propõe uma ação de reparação por danos materiais e morais, por exemplo, logo após a condenação do réu será possível averbar a sentença na matrícula do imóvel que o réu possuir. Essa hipoteca dará ao autor da ação direito de preferência na futura execução, quando for penhorado o imóvel e vendido para o pagamento (art. 495, § 4º, CPC).

Em relação à referida hipoteca judiciária, note que se o bem for impenhorável, por se tratar de residência única do devedor e de sua família (art. 1º da Lei 8.009/90), não poderá haver a anotação da dita hipoteca na matrícula junto ao Cartório de Registro, salvo para as situações em que o imóvel pode ser penhorado, como não pagamento de fiança concedida em contrato de locação (art. 3º, VII, da Lei 8.009/90).

Averbação da execução

Mais uma ferramenta importante – para compelir o devedor ao pagamento – é a possibilidade de ser averbada a existência da execução junto à matrícula de imóveis (no cartório de registro), veículos (no DETRAN) e bens do devedor sujeitos a registro, como, por exemplo, embarcações (jetski, lanchas) registradas na Capitania dos Portos. A certidão para essa averbação não depende de ordem judicial; porém, será obtida somente após despacho do juiz de que a execução foi admitida (art. 828, CPC).

A importância da averbação dessa certidão junto a cartório de imóvel ou DETRAN (onde esteja registrado algum imóvel ou veículo do devedor), é a de que se o devedor tentar mesmo assim vender o veículo ou o imóvel sobre o qual pesa a averbação, tal comportamento será considerado fraude à execução, o adquirente não poderá alegar ter sido comprador de boa-fé (art. 828, § 4º, CPC) e perderá, em favor do credor, o bem adquirido. O terceiro adquirente, por estar presumidamente de má-fé, não poderá sequer propor ação contra quem lhe vendeu o bem, por não poder demandar pela evicção, se sabia que a coisa era litigiosa (art. 447 do Código Civil).

Averbação da ação sobre direitos reais

Em se tratando de ações em que haja disputa sobre a propriedade de imóvel, tais como reivindicação de posse, usucapião e rescisão de contrato de compra e venda, a lei trata como obrigatória a averbação da ação na matrícula do imóvel art. 168, I, letra “t” e 169, caput, da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). Essa averbação não depende de sentença, deve ser realizada logo no início do processo e independe de o imóvel ser ou não bem de família.

A técnica executiva aberta

Por fim, foi consagrada a denominada técnica executiva aberta, prevista no art. 139 do CPC, que autoriza ao juiz determinar todas as medidas coercitivas para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas execuções por quantia certa. É exemplo de aplicação desse dispositivo legal decisão em que foi determinada a apreensão de CNH e de passaporte do devedor, em razão do não pagamento de dívida (processo n. 2014.05.1.009683-0, da Vara Cível de Planaltina – DF).

Outra decisão nesse mesmo sentido, da 2ª Vara Cível da comarca de Pinheiros – SP, suspendeu a CNH, apreendeu o passaporte do devedor e ainda lhe cancelou o cartão de crédito até que o réu pagasse a dívida. Porém, a decisão foi atacada por meio de habeas corpus e reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o fundamento de ferimento ao direito de ir e vir do devedor (art. 5º, XV, da Constituição Federal), além do ferimento à liberdade e à dignidade da pessoa humana, conforme art. 8º do CPC (processo n. 2183713-85.2016.8.26.0000, 30ª Câmara de Direito Privado do TJSP).

Nessa verdadeira guerra credor x devedor, restará o cumprimento do princípio da boa-fé, pelo qual o devedor se obriga a resguardar patrimônio para o pagamento de seus débitos, princípio que, na prática, não é observado. Cabe, então, ao credor se valer das ferramentas adequadas para tentar inibir ou compelir o inadimplente ao pagamento. E, ao Judiciário, dosar adequadamente a técnica executiva aberta para que as obrigações sejam cumpridas.

*Paulo Sérgio Pereira da Silva – Advogado e Professor

*Rayff Machado de Freitas Matos – Advogada e Professora

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