O crime de adultério (revogado) trata-se de injúria gravíssima

Lorena Ayres

Dia desses uma aluna totalmente indignada veio em minha direção com a seguinte indagação: Professora, por que o adultério não é mais crime? Esses legisladores brasileiros atentam o tempo todo contra a dignidade da pessoa humana…

Ao final da aula, comecei a pensar sobre o assunto e vamos tecer algumas linhas. Quem nunca foi traído (a)? Quem nunca traiu? Enfim, o texto não julga atitudes, apenas abordamos direitos.

O artigo 240 do Código Penal, foi revogado pela Lei nº 11.106, de 28.03.05, a redação anterior assim dizia: Cometer adultério: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses.

Determinava em seu § 1º que: incorre na mesma pena o co-réu e no § 2º determinava que a ação penal somente poderia ser intentada pelo cônjuge ofendido, e dentro de 1 (um) mês após o conhecimento do fato.

Ainda, determinou que a ação penal não poderia ser intentada, pelo cônjuge desquitado, pelo cônjuge que consentiu no adultério ou o perdoou, expressa ou tacitamente.

O crime de adultério tinha o condão de proteção a organização jurídica da família e do casamento, porém a proteção outorgada pelo legislador da década de 40 perdeu totalmente a eficácia em âmbito penal, devido a proteção específica do Código Civil Brasileiro.

É relevante destacar a citação de Claus Roxin, “o direito penal é de natureza subsidiária. “Ou seja: somente se podem punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social, se tal for indispensável para a vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se”.

Para nosso legislador, o Estado Democrático de Direito deve acompanhar a realidade, o direito deve ser eficaz e real sob os novos conceitos de vida e atualidade. O conjunto social influência drasticamente no mundo jurídico.

O Estado optou pela chamada intervenção mínima, a esfera penal não tem competência para dirimir conflitos conjugais e extraconjugais.

A evolução da humanidade, principalmente no aspecto cultural contribuiu para a descriminalização do adultério, afinal os civilistas irão explicar e aplicar os conceitos através do dever de fidelidade recíproca e o tal dano particular moral ao lesado na relação.

Entendo perfeitamente que o antigo crime de adultério não afeta a coletividade, não causa um dano social imensurável, mas entendo que a revogação do crime afetou sim a dignidade da pessoa humana, por se tratar de injúria gravíssima que afeta a honra e o estado psicológico do ofendido (a).

Destarte, a dignidade da pessoa humana, como princípio, é reconhecer direitos fundamentais, reais e aplicáveis aos indivíduos como um todo. É defender e aplicar todos normas de forma contínua e integral que afetem um todo ou apenas o “próprio direito”.

O constrangimento social e moral é pagável em âmbito cível (às vezes), porém em âmbito criminal não deveria ter sido abolido o direito do ofendido (a) em buscar a prestação jurisdicional cabível de acordo com cada caso em concreto. O adultério não deixa de ser um atentado a honra.

E vamos além? Já que o legislador acompanha tão bem a evolução social, não seria hora de se discutir o adultério virtual, tendo em vista o animus necandi de trair? Lembrando que o mundo é virtual, vivemos atualmente a vida um do outro através das redes sociais.

Enfim, o texto não tem o condão de julgar as atitudes e escolhas de ninguém, cada um adota o método de vida, relação amorosas e outras. Que cada um cuide da vida que tem, desde que não afete o direito de outrem. Seria tudo tão simples.

É preciso se atentar as discussões cotidianas que inferem o mundo jurídico e nos fazem repensar alguns conceitos de vida e posições jurídicas, ainda que minoritárias. Direito é isso, opinião e ir além do tradicional, afinal precisamos discutir as ocorrências cotidianas.

Para descontrair, não poderia deixar de finalizar o artigo com o refrão de uma música de Naiara Azevedo que ilustra a ideia de hoje: “Bonito! Que bonito hein! Que cena mais linda. Será que eu estou atrapalhando o casalzinho aí! Que lixo!’Cê ‘tá de brincadeira. Então é aqui o seu futebol toda Quarta-feira. E por acaso esse motel, é o mesmo que me trouxe na lua de mel. É o mesmo que você me prometeu o céu. E agora me tirou o chão”…

*Lorena Ayres é advogada, especialista em Direito Público e Criminal, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Abracrim-GO, vice-presidente da Comissão de Direito Criminal e Políticas Públicas da Subseção de Aparecida de Goiânia da OAB-GO, articulista e comendadora.