Marco Aurélio, um notável da magistratura nacional

Me recordo como se não tivesse passado tanto tempo assim, no início da década 1990 quando pude assistir algumas das sessões de julgamentos do Supremo Tribunal Federal, e conheci o então ministro Marco Aurélio Mello, recém empossado na mais alta corte de justiça do país, me chamou a atenção a postura arrojada e corajosa desse magistrado, que votava em várias oportunidades de forma contraria a maioria de sua turma, e embora fosse voto vencido, me lembro que sempre defendia suas teses com tranquilidade, firmeza e demonstrava um talento nato, mesmo quando vencido, tanto que seus votos começaram a ser comentados por toda imprensa nacional, porque despertava nos operadores do direito,  o  novo, o anseio de mudança, ideias e interpretações jurídicas inovadoras, era o novo chegando e abrindo espaço com fundamentos que faziam até mesmo seus pares  repensar seus votos.

Com essa nova postura o Ministro Marco Aurélio, se fez respeitar na mais alta corte de justiça através de sua indiscutível capacidade, inteligência, estudo, e sobretudo as qualidades  que mais admiro em um juiz, independência e coragem!

Os votos que antes eram vencidos, não todos naturalmente, mas muitos passaram a orientar a turma, e depois também toda a corte. Me  lembro,  do memorável  julgamento do HC nº 69325-GO, em que era Relator o Ministro Neri da Silveira, e os impetrantes, meu saudoso pai João Neder e minha mãe Beatriz Neder, após  sustentação oral, o Ministro Relator votou pelo indeferimento da ordem, o Ministro Marco Aurélio pediu vista, e divergiu votando pela concessão da ordem, a segunda turma se dividiu, o Ministro Carlos Velloso sugeriu que o plenário decidisse pois a matéria era de alta indagação, tratava-se de co-autoria em homicídio, um dos acusados tinha o foro por prerrogativa de função o outro não, a impetração foi parar no pleno do STF, e lá após brilhante sustentação oral de meu pai,   o voto do ministro pela concessão da impetração  foi  vencedor por 9 x1, modificando a jurisprudência do país em matéria importantíssima, competência.

Na posse do Ministro quando foi ocupar a presidência do STF em 31 de maio de 2001, não me esqueço do brilhante discurso do Ministro Celso de Melo, que após enaltecer a grande contribuição do colega, tocou no ponto que todos aplaudiram, quando falou dos votos vencidos do Ministro Marco Aurélio, dizendo que, “os mesmos seriam como as sementes do futuro que germinariam em grandes teses do amanhã”…, e como se fosse um visionário assim muitas vezes aconteceu com os votos de Marco Aurélio.

Quando no histórico julgamento das ADCs 43 e 44, o Relator foi o Ministro Marco Aurélio que em seu brilhante voto, deu uma aula do que é a verdadeira interpretação da Constituição Federal, de forma coerente e corajosa, defendeu a manutenção do principio do Estado de inocência, e a constitucionalidade do artigo 283 do CPP, de forma simples e clara, mas com toda técnica e a categoria do notável  juiz comprometido com a defesa da constituição cidadã, seu compromisso era integralmente com as garantias e direitos fundamentais do artigo 5º e seu inciso LVII, nada mais.

Mesmo após o memorável julgamento em que a maioria entendeu que pode-se determinar a prisão, sem o trânsito em julgado, bastando a confirmação da condenação de primeiro grau, pelo segundo grau, os ministros Marco Aurélio e Celso de Melo, corajosamente, proferiram decisões mantendo  hígido o artigo 283 do CPP,e o estado de inocência, garantindo aos jurisdicionados que bateram as portas do STF, a garantia do trânsito em julgado, como manda a CF e os tratados internacionais que o Brasil é signatário.

Mas as questões tormentosas, parecem que sempre procuram desafiar, aqueles que já possuem uma natureza desafiadora  das velhas convenções. O conhecido goleiro Bruno Souza, acusado de ser o mandante da morte de sua amante Elisia Samudio, teve sua prisão preventiva decretada, permaneceu preso, e foi levado a júri, julgado foi condenado a pena de 17 anos por homicídio triplamente qualificado, e ocultação de cadáver, e depois condenado pelo crime de cárcere privado do filho menor, somando o total de  uma pena de 22 anos de reclusão.

Bruno após ser condenado, teve sua prisão preventiva mantida, permanecendo 6 seis anos e 7 meses preso, sem que a decisão do tribunal do júri sequer fosse confirmada pelo Tribunal de Minas Gerais, que não se sabe porque não julgou sua apelação até hoje.

Em sede de liminar em habeas corpus, tecnicamente correto, o ministro Marco Aurélio , concede liberdade provisória ao goleiro Bruno, sob o correto fundamento jurídico, de excesso de prazo na prisão preventiva, que não é instrumento de pena antecipada, e não pode se eternizar, sob pena de desvirtuar todo o processo penal e suprimir direitos e garantias fundamentais. Vejam excerto da polêmica decisão:”A esta altura, sem culpa formada, o paciente está preso há 6 anos e 7 meses. Nada, absolutamente nada, justifica tal fato. A complexidade do processo pode conduzir ao atraso na apreciação da apelação, mas jamais à projeção, no tempo, de custódia que se tem com a natureza de provisória”.

Com a decisão, a mídia ficou inconformada, a opinião publica gritou alto, e  mais uma vez confundiram aplicação do direito, com impunidade, e em um momento de instabilidade política, por motivos outros, novamente o Ministro Marco Aurélio, embora tecnicamente correto, se torna voto vencido.

O ministro foi coerente com a correta  interpretação da legislação penal e processual, e principalmente fiel as garantias fundamentais, do goleiro Bruno, que por mais odiado que seja, não pode ficar preso eternamente, com base em uma prisão preventiva que seus fundamentos já se perderam nos escaninhos do TJ-MG.

Aos leitores, antes que me julguem, explico, uma coisa é a pessoa ficar presa por seis anos e meio com base em uma prisão preventiva, que não pode ser transformada em pena antecipada. Outra coisa, é o TJ-MG, julgar a apelação do réu Bruno, e definir seu futuro jurídico, para que o mesmo saiba os motivos pelos quais esta preso, se por preconceito “ad eterno”, ou por força de uma sentença penal condenatória, desde que transitada em julgado, é claro.

*Alex Neder é  advogado criminalista e consultor jurídico.