Do valor da causa em ação de reparação por danos morais no Novo CPC

advogado-pedro-vellasco-2INTRODUÇÃO
O valor dado à causa implica em uma escolha que refletirá não só nas custas iniciais a serem pagas para se ingressar no judiciário, como também, dentre outras, nas futuras condenações de honorários sucumbenciais e eventuais multas.

Assim, o valor da causa serve como parâmetro para: a) recolhimento da taxa judiciária (custas iniciais); b) critério fixação de competência (principalmente juizadosespeciais); c) base de cálculo para fixação dos honorários sucumbenciais (Art. 85, §2º); d)fixação de multa por litigância de má-fé; e) base de cálculo pra depósito judicial parapropositura de ação rescisória (Art. 968, II do CPC).

EXPECTATIVA DE MUDANÇA CRIADA COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Bem antes da nova lei processual civil entrar em vigor, muito já se dizia sobre a mudança que ocorreria quando do arbitramento do valor dado à causa nas “Ações de Reparação de Danos Morais”, haja vista que antes o ofendido, quando ingressava no judiciário,na maioria das vezes, pedia para que o juízo arbitrasse o valor dessa indenização (compensação pelo dano sofrido).

Feito isso, o valor da causa sempre correspondia a um valor simbólico, já que a quantia pretendida como indenização era indeterminada, trazendo como consequência um “barateamento” nas cutas recolhidas pela parte demandante.

Essa modalidade de pedido (arbitramento da indenização de acordo com o entendimento do magistrado) sempre levantou discussões, já que, interpretando friamente esse tipo de pedido, no caso de a sentença reconhecer a lesão ao autor, poderia condenar a parte requerida a pagar, por exemplo, R$ 1,00, número bem distante do que pretendia o ofendido, ainda que não expressado na petição inicial.

Nesse caso, a sentença julgaria totalmente procedente o pedido do autor e este, consequentemente, mesmo que insatisfeito com o quantum arbitrado, em tese, não terialegitimidade para recorrer da sentença, posto que concedeu ao sentenciante o poder de decidir por ele a “quantificação de sua dor” e consequente reparação pelo dano suportado.

CONTROVÉRSIA SOBRE O TEMA
Pois bem, com o novo Código de Processo Civil, mais precisamente em seu art. 292, V, indica-se, a priori, que essa prática necessariamente terá que mudar, já que a lei
atual exige que:

Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
I – …
V – nas ações indenizatórias, inclusive as fundadas em dano moral,
o valor pretendido;

Acontece que a mesma nova lei, em seu art. 324, §1º, II, assegura uma exceção à regra de determinação do pedido já na exordial, quando diz:

Art. 324. O pedido deve ser determinado.
§1º É lícito, porém, formular pedido genérico:
I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados;
II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato;

Confrontando-se ambos os artigos indaga-se: deve o autor necessariamente dizer na petição inicial, qual o valor que pretende receber para se ver reparado pelos alegados danos morais sofridos?

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu isso, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, admitindo pedido indeterminado na ação de danos morais (REsp 645.729/RJ, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 4ª T., j. 11/12/2012).

No mesmo norte, comentando art. 292, V do novo caderno processual civil, o jurista Ronaldo Cramer, que inclusive cita a jurisprudência acima, acredita que o pedido indeterminado ainda pode ser feito, quando pondera: “No entanto, se a ação indenizatória não contiver pedido determinado, como no caso do inciso II do §1º do art. 324, o valor da causa será fixado por estimativa da parte.” (p. 454)

Continuando o mesmo jurista, ao interpretar o art. 324, arremata que: “De acordo com a redação atualizada, portanto, quando o autor não dispuser de elementos para mensurar as consequências do ato ou fato, ilícito ou não, como ocorre, por exemplo, na busca a condenação do réu ao pagamento de dano moral, pode realizar pedido genérico.” (Comentários ao Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2016, Editora Forense – Antônio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer, p. 511 e 512)

Estudando os demais doutrinadores, no entanto, percebe-se que a maioria entende que tal pedido deverá ser determinado e, consequentemente, o valor da causa deverá corresponder a quantia pretendida como indenização por danos morais.
O processualista Alexandre Freitas Câmara é um que não faz exceção a regra do art. 292, V, do CPC, ao explicar o art. 324: “Além disso, porém, a admissão de pedido genérico nas causas cujo objeto é a reparação de danos morais contraria uma regra processual, que expressamente exige a indicação, pelo autor, do valor que pretende obter quando postula tal compensação. (O Novo Processo Civil Brasileiro, 1ª Edição, Editora Atlas, p.192).

Na mesma esteira, o professor Nelson Nery Júnior: “Nas ações de indenização por dano moral ou à imagem (v.g., CF 5º, V e X), o pedido deve ser certo e determinado, fixado pelo autor. (Comentários ao Código de Processo Civil, Editora RT, 2015, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, p. 895).

Ora, respeitando entendimento contrário, parece-me claro que o legislador, ao confeccionar o art. 292, V, citando expressamente o caso das indenizações por danos morais, pretende que o requerente/ofendido sempre diga ao juízo qual o valor que pretende receber como ressarcimentos pelos danos sofridos.

Apesar de nos sujeitarmos, ao aplicar a nova regra, ao aumento nas despesas para se demandar, já que agora o valor da causa não poderá ser aquele com “efeitos meramente fiscais”, o novo regramento me parece mais adequado.

Isso porque, como acontecia na vigência da antiga lei, quando o requerente, alegando ter sofrido danos morais, buscava o judiciário atrás de reparação, não indicava qual ovalor ele pretendia receber.

Para se ter uma ideia sobre a relevância econômico imposta ao jurisdicionado,no tocante à escolha do valor da causa em uma ação de reparação por danos morais, tomemos como exemplo o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

Ao ingressar nesse Tribunal, caso o jurisdicionado opte em atribuir à causa o valor de alçada (R$ 1.000,00), como era feito antes da vigência do novo Código, fazendo pedido indeterminado, teria ele que desembolsar a quantia de R$ 258,10 como custas iniciais, enquanto, adequando-se à nova legislação, pedir para seja indenizado em valor determinado de R$ 5.000,00 (valor médio atribuído em reparações), terá que arcar com R$ 616,51, ou seja, mais do que o dobro que custava no passado.

Todavia, por mais que fosse menos custoso ao autor atribuir valor indeterminado no seu pedido, tal atitude atrapalhava, inclusive, o exercício do contraditório, haja vista que o réu, ao rebater os argumentos do autor, não podia confrontar o pedido de indenização feito, mas somente a existência ou não do dano moral, fato gerador da
indenização.

Além disso, como bem lembrado por Alexandre F. Câmara: “A admissão do pedido genérico neste caso acaba por limitar o contraditório acerca do valor da compensação do dano moral ao segundo grau de jurisdição (afinal, tendo o juízo de primeiro grau, na sentença, fixado um valor, poderão as partes, em grau de recurso, discutir se aquele valor era suficiente ou excessivo para a compensação do dano moral). No primeiro grau de jurisdição, porém, não terá havido qualquer chance de debate acerca desse valor, e o juiz – ao fixar a condenação – terá atuado de forma solitária, solipsista, o que contraria o paradigma de Estado Democrático de Direito, que é a base do modelo constitucional do processo civil brasileiro”. (p.192).

Uma exceção à regra poderia ocorrer, a meu ver, em casos de “dano continuado”, em que a extensão do dano se protraísse no decurso do processo. Tal hipótese se encaixa bem nos casos de ofensa à imagem da pessoa, em que ela foi e está sendo difamada em redes sociais, por exemplo, não sabendo o ofendido até quando perdurará a exposição ofensiva.

Somente nesses casos, acredito ser possível atribuir valor indeterminado ao pedido de reparação por danos morais, dada a natureza e extensão do fato que gerou e gera o dano.

CONCLUSÃO
Diante das rápidas ponderações, tem-se que a lei processual civil melhorou ao proibir o pedido genérico nas ações de indenização por danos morais, o que, de certa forma, norteará melhor o juízo no momento em que arbitrará as indenizações, além de permitir, desde o início do processo com a defesa do réu, o contraditório quanto ao valor perseguido pelo reclamante.

*Pedro Vellasco Azevedo de Amorim, advogado e sócio do escritório Vellasco, Velasco & Simonini Advogados, é especialista em Direito Civil e Processual Civil.