Da responsabilidade solidária do contador pelo inadimplemento da obrigação tributária pela pessoa jurídica

No Estado de Goiás, atualmente, muitos contadores, no exercício de suas atribuições, têm sofrido autuações, pelos fiscais fazendários, como sujeitos passivos solidários ao pagamento de débitos tributários inadimplidos por pessoas jurídicas.

Todavia, imperioso se faz demonstrar que a responsabilização pessoal do contador pelo pagamento do crédito tributário inadimplido pela pessoa jurídica tomadora de seus serviços, sem a demonstração pelo fisco de uma efetiva prática de fraude fiscal almejando burlar a legislação tributária, é abusiva e ilegal, senão veja-se.

A princípio, o Código Civil de 2002 traz implicitamente uma definição do que vem a ser o profissional da área contábil, como sendo aquele preposto da pessoa jurídica “responsável pela escrituração contábil e fiscal de seus atos”, consoante dicção do caput, do artigo 1.1782, in verbis:

Art. 1.182. Sem prejuízo do disposto no art. 1.174, a escrituração ficará sob a responsabilidade de contabilista legalmente habilitado, salvo se nenhum houver na localidade.

Ademais, imperioso registrar o Código Civil de 2002 possibilita a responsabilidade pessoal dos contadores pelos seus respectivos atos contábeis e fiscais praticados em nome da pessoa jurídica, quando estes forem, evidentemente, praticados de má-fé, conforme previsão expressa dos artigos 1.177 e 1.178 do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele.

Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos.

“Art. 1.178. Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, praticados nos seus estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autorizados por escrito.

Parágrafo único. Quando tais atos forem praticados fora do estabelecimento, somente obrigarão o preponente nos limites dos poderes conferidos por escrito, cujo instrumento pode ser suprido pela certidão ou cópia autêntica do seu teor.

Conforme acima mencionado, nos termos dos artigos 1.177 e 1.178 do Código Civil, a figura do Contador, na qualidade de responsável pela escrituração dos dados contábeis da empresa, enquadra-se na qualidade de seu “preposto”, uma vez que a representa perante terceiros, especialmente perante as fazendas públicas para fins de informação e apuração dos tributos devidos por esta.

Nestes termos, é a definição legal do vocábulo “preposto” atribuído pelo tradicional Dicionário Jurídico:

“É o indivíduo nomeado pelo sócio, administrador ou gerente de uma sociedade comercial ou empresa industrial para representá-la. É também a pessoa colocada diante de uma atribuição para conduzi-la ou dirigi-la[1]”.

Pois bem, dentro do ordenamento jurídico tributário brasileiro, o fundamento para a imputação da responsabilidade solidária aos contadores em relação ao pagamento de créditos tributários inadimplidos pela pessoa jurídica, aonde exercem devidamente suas atividades contábeis e fiscais, possui fundamento no artigo 124, incisos I e II, do Código Tributário Nacional, in verbis:

“Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei.

Na mesma linha, no âmbito regional, como retrato da norma insculpida no artigo 124, I, do CTN, o Código Tributário do Estado de Goiás (Lei 11.651/91) preceitua que:

“Art. 45. São solidariamente obrigadas ao pagamento do imposto devido na operação ou prestação as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, especialmente’:

Na hipótese do inciso I, de acordo com a doutrina, a responsabilidade tributária em virtude do “interesse comum” na ocorrência do fato gerador da obrigação principal, demanda um interesse jurídico na realização e nos resultados da ocorrência da materialidade que dá origem ao nascituro do fato jurídico tributário.

Neste sentido, é o entendimento de Luiz Eduardo Schoueri:

O interesse comum só tem pessoas que estão no mesmo pólo na situação que constitui o fato jurídico tributário. Assim por exemplo, os condôminos tem “interesse comum” na propriedade; se esta dá azo ao surgimento da obrigação de recolher o IPTU, são solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto todos os condôminos. Note-se que o débito é um só, mas todos os condomínios se revestem da condição de sujeitos passivos solidários.

Não constituem “interesse comum”, por outro lado, as posições antagônicas em um contrato, mesmo quando em virtude deste surja um fato jurídico tributário. Assim, o comprador e vendedor não tem “interesse comum” na compra e venda: se o vendedor é contribuinte de ICMS devido na saída da mercadoria objeto da compra e venda, o comprador não será solidário de tal obrigação[2]”.

Pois bem, nos termos do artigo 1.177, do Código Civil figura do “Contador” possui “interesse comum” com a pessoa jurídica tomadora de seus serviços, para fins dar azo a constituição de créditos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, uma vez que é responsável pela escrituração dos dados contábeis da empresa decorrentes de suas atividades comerciais, enquadrando-se na qualidade de “preposto” da empresa, uma vez que a representa perante terceiros, especialmente perante as fazendas públicas para fins de informação e apuração dos tributos devidos por esta.

Neste diapasão, na qualidade de preposto, evidenciada alguma fraude praticada a legislação, ou com excesso de poderes ao Contrato Social, os contadores poderão ser responsabilizados pessoalmente ao pagamento do crédito tributário inadimplido pela pessoa jurídica, conforme previsão do artigo 135, II, do Código Tributário Nacional, o qual preleciona que:

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

No mesmo sentido, o artigo 137, III, aliena “b” do mesmo diploma, possibilita tal imputação de responsabilidade, senão veja-se:

“Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

  1. b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

Nesses casos, veja-se, a responsabilidade solidária de terceiros em relação ao pagamento do crédito tributário inadimplido pela pessoa jurídica só será legitima se o fisco comprovar que seus respectivos atos de gestão foram praticados com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social, estatuto, ou, ainda, que redunde na dissolução irregular da sociedade.

Nestes termos, as hipóteses de responsabilidade tributária previstas nos artigos 135 e 137, do Código Tributário Nacional, não se fundam no mero inadimplemento da sociedade em relação ao pagamento de um tributo, mas sim na conduta dolosa ou culposa, especificamente apontada pelo legislador, por parte dos sujeitos que agem no exercício de representação de atos da pessoa jurídica.

Portanto, de acordo com as considerações acima expostas, percebe-se como quesito indispensável para responsabilizar subsidiariamente o contador pelo não adimplemento da obrigação tributária (Art.135)bem como pelas penalidades decorrentes de tal conduta (Art. 137), que se demonstre claramente a prática de fraude, simulação ou excesso de poderes, em detrimento a legislação tributária, pelo profissional contabilista na qualidade de preposto dos atos contábeis da pessoa jurídica.

Caso contrário, a responsabilização pessoal do contador como sujeito passivo solidário ao pagamento de um crédito tributário inadimplido por uma determinada pessoa jurídica tomadora de seus serviços, sem a efetiva comprovação da prática de fraude fiscal pela autoridade fazendária, será eivada de flagrante ilegalidade.

*Frederico Batista dos Santos Medeiros é graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira, Advogado, especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET/GO, possui cursos de extensão em Planejamento Tributário e Contabilidade Tributária pelo referido instituto (IBET), especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes/RJ, Mestrando em Direito Tributário na Universidade Católica de Brasília/DF, Sócio de Serviço do escritório Vellasco, Velasco e Simonini Advogados, Professor de Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET/GO, Secretário Adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO.

[1] http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/940/Preposto.

[2] SCHOUERI, Luís Eduardo, “Direito Tributário”, São Paulo, Ed. Saraiva, 2011, p. 476.