Da aplicação dos princípios da legalidade, publicidade e eficiência na legislação e jurisprudência do CAT/GO

I – INTRODUÇÃO

Conforme dispõe o artigo 37, da Constituição Federal de 1988, a administração pública, direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, senão veja-se:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”:

Imperioso se faz registrar que, além dos órgãos componentes da administração pública direta (Receita Federal do Brasil, Secretaria da Fazenda, Polícia Federal, etc), aplicação dos referidos princípios se estende em relação às entidades da Administração Pública indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), as quais, à semelhança da administração direta, se encontram submetidas à observância dos princípios constitucionais supramencionados[1]”.

Pois bem, a princípio, na seara do direito administrativo, o principal mandamento decorrente do princípio da legalidade, insculpido no artigo trazido à baila (Art. 37) é o de que a atividade administrativa deve ser exercida com estrita consonância do que preleciona a lei, ou seja, a administração só poderá agir quando sua conduta for expressamente autorizada por lei, dentro dos limites e procedimentos que esta estabelece.

Neste sentido, são as palavras do saudoso doutrinador Hely Lopes Meirelles:

“na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto no âmbito particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza (MEIRELLES, Hely Lopes, “Direito administrativo brasileiro, p.89)”.

No que diz respeito ao princípio da publicidade, além da conceituação implícita no artigo 37, tal princípio encontra seu conceito positivado de forma explícita no inciso XXXIII, do artigo 5º, da Carta Magna, cujo mandamento consiste em assegurar a “garantia a todos os cidadãos o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas as hipóteses em que a Constituição assegura que o sigilo é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Por fim, no que concerne ao princípio da eficiência, seu mandamento exige o satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros, não se contentando com atendimento parcial das necessidades dos cidadãos perante os órgãos da administração pública.

Portanto, nos dizeres dos ilustres professores Ricardo Alexandre e João de Deus:

o princípio da eficiência diz respeito a uma administração pública que prime pela produtividade elevada, pela economicidade, pela qualidade e celeridade dos serviços prestados, pela redução dos desperdícios, pela desburocratização e pelo elevado rendimento funcional[2]

Pois bem, delineadas as peculiaridades mandamentais dos princípios que regem as atividades da administração pública, neste próximo momento passo a fazer considerações sobre a aplicabilidade de tais preceitos constitucionais em relação a (III) jurisprudência do Conselho Administrativo Tributário da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás, e ante (IV) as inovações trazidas pela Lei 19.595/17, a qual alterou diversos procedimentos do Processo Administrativo Tributário no Estado de Goiás.

II – DA COMPETÊNCIA DO CONSELHO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO DO ESTADO DE GOIÁS – LEI. 16.469/09.

De acordo com a Lei nº 16.649/09, a qual regulamenta os procedimentos a serem adotados no processo administrativo tributário e dispõe sobre os órgãos vinculados ao julgamento administrativo de questões de natureza tributária no Estado de Goiás, a competência da apreciação e processamento de tais matérias é do Conselho Administrativo do Estado de Goiás, consoante dicção do art. 6º, I, senão veja-se:

Art. 6º Compete ao Conselho Administrativo Tributário -CAT- apreciar:

I – o Processo Contencioso Fiscal;

III – JURISPRUDÊNCIA DO CAT – DISTORÇÃO INTERPRETATIVA INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA, PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL – OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 

O instituto da responsabilidade tributária, no âmbito da legislação tributária do Estado de Goiás, o qual viabiliza a outorga de responsabilidade de terceiros não alocados na sujeição passiva de uma determinada obrigação tributária, no caso diretores, gerentes, administradores, representante das pessoas jurídicas e consumidor final, encontra-se positivado no artigo 45, incisos XII e XII-B, do Código Tributário Estadual:

Art. 45. São solidariamente obrigadas ao pagamento do imposto ou da penalidade pecuniária as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, especialmente: (Redação do caput dada pela Lei Nº 19665 DE 09/06/2017)

XII – com o contribuinte, os acionistas controladores, os diretores, gerentes, administradores ou representantes da pessoa jurídica, relativamente à operação ou prestação decorrente dos atos que praticarem, intervirem ou pela omissão de que forem responsáveis;

XII-B – com o remetente, o consumidor final não contribuinte do imposto, relativamente à mercadoria, bem ou serviço que adquirir em operação interestadual sem o pagamento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota prevista para as operações e prestações internas e a prevista para as operações e prestações interestaduais destinadas a este Estado. (Inciso acrescentado pela Lei Nº 19021 DE 30/09/2015, efeitos a partir de 01/01/2016).

Com base nos referidos dispositivos, a SEFAZ/GO, ao autuar determinada pessoa jurídica em detrimento do inadimplemento da obrigação tributária, ocasionando na lavratura de um auto de infração, tem o costume em arrolar de ofício como solidários no pagamento do crédito tributário os diretores, gerentes, administradores, representante das pessoas jurídicas e consumidor final, sem necessariamente observar o regramento inerente a devida outorga de responsabilidade tributária de terceiros não contribuintes do imposto, previsto na Lei Complementar (Código Tributário Nacional).

Tal conduta é, de fato, autorizada pela Lei Complementar (CTN), todavia é necessário o preenchimento de diversos quesitos delineados no Código Tributário Nacional, os quais dão ensejo a outorga de responsabilização destes sujeitos que inicialmente não estão acoplados no pólo passivo da obrigação tributária originária, conforme previsão do Art. 146, III, “a”, da CF/88, sendo tal fator totalmente desconsiderado pelos fiscais fazendários do Estado de Goiás no momento da autuação fiscal e, consequentemente, lavratura do respectivo Auto de Infração, conduta na qual caracteriza expressa afronta ao princípio da legalidade, senão veja-se.

O princípio da legalidade, na qualidade de um dos princípios gerais do Direito Administrativo insculpidos no artigo 37, da CF/88, regulamenta a atividade da administração pública no sentido de que “só é permitido fazer o que a lei autoriza”. Portanto, a validade do ato administrativo estará condicionada mediante a existência de prévia autorização legal.

Assim é possível afirmar que o princípio da legalidade ora destacado trata-se de um “sobreprincípio”, cujo regramento derivará em subprincípios aplicáveis a diversos campos do direito, como por exemplo, o princípio da legalidade tributária na seara do Direito Tributário, previsto nos artigos 150, I, da CF/88 C/C 97 do CTN, cujo regramento nada mais é de que uma derivação deste “sobreprincípio”.

No tocante ao instituto da “Responsabilidade Tributária”, o Código Tributário Nacional, no exercício da competência atribuído pela Constituição Federal em ditar as diretrizes gerais do Direito Tributário, estabelece como norma geral de transferência da responsabilidade a terceiros, não componentes do polo passivo da obrigação tributária, as hipóteses elencadas nos artigos 124, I e II, 130, 131, I, II e III, 133, 134, I a VII, e 135, I a III, ou seja, a outorga da responsabilidade tributária a terceiros somente será devida se os quesitos destes artigos forem devidamente preenchidos.

Assim, no que diz respeito ao caso em tela, inerente a possibilidade de responsabilização dos diretores, gerentes, administradores, representante das pessoas jurídicas e consumidor final, a jurisprudência do Conselho Administrativo Tributário do Estado de Goiás ofende o princípio da legalidade (Art. 37, CF/88 c/c 150, I da CF/88) pelas seguintes razões:

  1. Na autuação fiscal de uma determinada pessoa jurídica em decorrência do inadimplemento de determinada obrigação tributária, os auditores fazendários arrolam seus respectivos diretores, gerentes, administradores e representantes da pessoa jurídica sem a observância dos quesitos elencados no artigo 135, do Código Tributário Nacional;
  2. O Consumidor Final é frequentemente arrolado como responsável solidário no pagamento do ICMS inadimplido pela pessoa jurídica comerciante de produtos/mercadorias sem respaldo legal, ou seja, em decorrência da inobservância das normas de responsabilidade tributária previstas no Código Tributário Nacional, no usufruto de sua competência atribuída pela CF/88, através do artigo 146, inciso III.

Para ilustrar os casos supramencionados, veja-se os julgados:

“EMENTA: I – NULIDADE: Preliminar de nulidade da peça básica, arguida pelo autuado, por insegurança na determinação da infração. Rejeitada. Decisão unânime.

  1. Não é passível de nulidade o lançamento que contenha os elementos indispensáveis para determinar com segurança a infração denunciada e identificar corretamente o infrator. (Artigo 20, § 3.º, da Lei nº 16.469/09). II – SOLIDARIEDADE: Preliminar de exclusão do coobrigado solidário da lide. Rejeitada. Decisão majoritária.
  2. São solidariamente obrigadas ao pagamento do imposto devido na operação ou prestação as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, especialmente: com o contribuinte, os acionistas controladores, os diretores, gerentes, administradores ou representantes da pessoa jurídica, relativamente à operação ou prestação decorrente dos atos que praticarem, intervierem ou pela omissão de que forem responsáveis. (Artigo 45, inciso XII, do CTE). III – ICMS. Obrigação tributária principal. Omissão de registro de saídas de mercadorias tributadas. Auditoria das Disponibilidades. Saldo Credor das Contas Representativas de Disponibilidades. Desembolsos não contabilizados. Procedência. Decisão unânime. 1. Presume-se decorrente de operação ou prestação tributada não registrada, o valor apurado, em procedimento fiscal, correspondente ao saldo credor na Conta Caixa. (Artigo 25, § 1.º, inciso I, do CTE); 2. A saída de mercadoria, a qualquer título, se desacobertada de documentação fiscal idônea, constitui infração à legislação tributária; 3. A não apresentação, pelo contribuinte, de elementos com consistente relevância capazes de provocar a modificação do procedimento fiscal que motivou a formalização do lançamento, é impeditiva da alteração da pretensão fazendária.

(CAT/GO, Nº do Acórdão 1.029/17, Proc. 4011403451520, 4ª Câmara)

“ICMS. Obrigação acessória. Multa formal de 70% do valor da aquisição de bens por consumidor final não contribuinte do imposto, com alíquota interestadual, na falsa condição de contribuinte. Uma das notas fiscais cancelada. PROCEDÊNCIA PARCIAL. Quando a razão invocada pelo sujeito passivo de que uma das notas fiscais foi cancelada, e comprovando-se tal fato, o auto de infração e procedente em parte”.

(CAT/GO, Nº da Sentença 5.052/16, Proc. 4011401835860, 1ª Instância) 

IV – INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 19.595/17 – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E EFICIÊNCIA.

A inovação trazida pela Lei 19.595/17, alterou o primitivo inciso II, no artigo 14, incluindo a intimação do contribuinte via domicílio eletrônico: 

Art. 14. A intimação é feita por meio de:

II – comunicação enviada ao domicílio tributário eletrônico (DTE); (Redação conferida pela Lei n°19.595 – Vigência 01.03.17) 

Pois bem, nos termos do §3º, I, do artigo 14º da Lei 16.469/09, as intimações dos atos do processo administrativo tributário são destinadas ao sujeito passivo ou ao advogado, senão veja-se: 

Art. 14. A intimação é feita por meio de:

  • 3º A intimação deve ser feita ao:

I – sujeito passivo ou ao seu procurador, sendo válida a ciência a qualquer preposto destes;

A interpretação que é dada a sistemática do dispositivo em referência pelo Conselho Administrativo do Estado de Goiás, é no sentido de que a intimação de todos os atos do processo administrativo tributário devem ser destinados ao sujeito passivo ou seu procurador, ou seja, não aos dois simultaneamente.

Como é cediço, muitos advogados não possuem acesso ao Domicílio Tributário Eletrônico – DTE de seus clientes (contribuintes), uma vez que o acesso é, em regra, restrito aos profissionais contabilistas.

Assim, a advocacia encontra sérios problemas na forma de intimação alternativa do sujeito passivo supramencionado, sendo que tal problema poderia ser efetuado através de uma intimação simultânea do advogado e do sujeito passivo, de maneira a garantir o acesso  a ampla de defesa e contraditório, matérias essas que são regularmente alegadas nos processos administrativos tributários do CAT/GO, por erros ou inconsistência das intimações.

Portanto, a sistemática do princípio da publicidade seria atendida inteiramente se no caso em análise tanto o sujeito passivo como seu procurador, fossem intimados, simultaneamente, de todos os atos processuais pertinentes a uma determinada demanda contenciosa administrativa, pois dessa forma haveria a eficácia dúplice de informações inerente a determinado interesse comum, cumprindo assim as sistemáticas dos sobre princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, insculpida nos incisos LIV e LV, do art. 5º, da CF/88.

Por outro lado, a alteração trazida pela Lei nº 19.595/17, por intermédio de seu artigo 28, através de seus incisos I e II, determinou que as defesas e recursos administrativos dos contribuintes a serem apresentados nos processos em trâmite nas cidades do interior do Estado de Goiás, devem ser, unicamente, protocolados nos Núcleos de Preparo Processual – NUPRE´S de suas respectivas comarcas.

Antes do advento da Lei 19.595/17, a lei 16.469/09 permitia o protocolo das defesas e recursos a serem apresentados nos processos administrativos tributários estabelecidos nos NUPRE´S das cidades dos interiores do Estado, perante o NUPRE´s de Goiânia/GO, atendendo inteiramente as necessidades dos advogados e contribuintes residentes na Capital.

Com a alteração do artigo 28 da Lei primitiva (Lei 16.469/09), a Lei 19.595/17 inviabilizou o direito de defesa do contribuinte, uma vez que aumenta consideravelmente o custo processual para que este exerça o seu direito de defesa (já que os processos estão alocados em comarca interiorana), bem como gera insegurança ao advogado ante a incerteza quanto ao cumprimento dos prazos processuais e pela dúvida quanto a efetividade da entrega pelos correios das peças processuais em seus respectivos destinos.

Assim, tal inovação caracteriza afronta ao princípio da eficiência o qual preceitua “que a atividade administrativa será exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional”, uma vez que inviabiliza a celeridade, a segurança e o baixo custo para que contribuintes e advogados exerçam a defesa de seus interesses. 

V – CONCLUSÕES 

Conforme exposto, constata-se que atualmente a distorção interpretativa efetuada pelos conselheiros julgadores do Conselho Administrativo do Estado de Goiás viola claramente a sistemática de legitimação de imputação da responsabilidade tributária a terceiros (sócios, diretores, gerentes e consumidor final), ocasionando na afronta ao preceito normativo insculpido no princípio da legalidade, insculpido no artigo 37 da CF/88.

Ademais as inovações trazidas pela Lei 19.595/17, a princípio aquela que alterou o inciso II e §3º, inciso I, ambos do artigo 14 da Lei 16.469/09, viola a sistemática do princípio da publicidade previsto no artigo 37 da CF/88, uma vez que restringe a eficácia das intimações apenas ao sujeito passivo ou seu procurador, pois a sistemática de tal princípio seria inteiramente cumprida se tal comando normativo determinasse a intimação de ambos (procurador e sujeito passivo), assegurando aos contribuintes as garantias constitucionais pertinentes aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (Art. 5º, LIV e LV, da CF/88).

Por fim, as alterações do artigo 28 da Lei 16.649/09, advindas com a Lei 19.595/17, as quais estão atualmente previstas nos incisos I e II deste artigo, ofendem o preceito normativo pertinente ao princípio da eficiência, também insculpido no artigo 37 da CF/88, uma vez que visam obstaculizar o direito de defesa dos contribuintes, já que aumentam consideravelmente o custo processual ao determinar que o protocolo das peças processuais (defesas, recursos, interlocutórias) sejam efetuados apenas nos Núcleos de Preparo Processual – NUPRE´s aonde tramita o respectivo processo administrativo tributário, contrariando a primitiva permissão de protocolo integrado previsto na Lei 16.649/09.

 

*Frederico Batista dos Santos Medeiros é graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira, Advogado, especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET/GO, possui cursos de extensão em Planejamento Tributário e Contabilidade Tributária pelo referido instituto (IBET), especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes/RJ, Mestrando em Direito Tributário na Universidade Católica de Brasília/DF, Sócio de Serviço do escritório Vellasco, Velasco e Simonini Advogados, Professor de Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET/GO, Secretário Adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO.

[1] ALEXANDRE, DE DEUS, Ricardo e João, “Direito Administrativo”, Ed. Método, 3ª Edição, Rio de Janeiro, 2017, p. 151.

[2] ALEXANDRE, DE DEUS, Ricardo e João, “Direito Administrativo”, Ed. Método, 3ª Edição, Rio de Janeiro, 2017, p. 172)