Compensação entre honorários advocatícios sucumbenciais

Em face do advento do novo Código de Processo Civil e examinado o disposto em seu art. 85, § 14, a muitos pareceu que a Súmula n. 306, do C. Superior Tribunal de Justiça houvesse sido simplesmente “derrogada”. Em nosso entendimento, seria simplesmente “ab-rogada”. Dando-se de barato que lei pode revogar jurisprudência. Não. Somente o próprio órgão judiciário pode tornar ineficaz seus precedentes, em face de lei superveniente.

Sempre entendemos, como coadjuvantes na elaboração da Lei 8.906/94 (EA), dada nossa condição, à época, de Presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo e da Federação Nacional dos Advogados, que a verba honorária sucumbencial jamais poderia ser compensada com valores creditícios da outra parte litigante, dada sua natureza jurídica autônoma, que foi proclamada. Motivo: falta de legitimação das partes à compensação e objetos diversos.

Se enfocarmos a compensação no plano do direito civil, veremos que calorosas discussões se perdem desde tempos imemoriais, no direito romano, tendo sido disciplinada no Código de Justiniano e, posteriormente, debates intensos se verificaram no direito alemão, italiano etc. Precisamente, em razão de sua possibilidade em razão da natureza do título e da legitimidade das partes.

O novo Código de Processo Civil, ao abraçar os últimos julgados do C. Superior Tribunal de Justiça declarou não apenas o caráter alimentar dos honorários sucumbenciais, como foi além, equiparando-os aos salários nas execuções coletivas (recuperação judicial, falência, liquidação judicial e insolvência civil). Na redação originária da Lei n. 8906/94, bombardeada por todos os lados na grande mídia, houve justa preocupação (e seus autores, líderes da classe dos advogados, podem muito bem atestar o fato), em não se mencionar a palavra salário no congresso nacional, tendo-se em vista a enorme resistência que o termo causava nas casas legislativas, empenhadas em discutir o salário mínimo e outros salários que lá constituíam verdadeiro tabu.

Consequentemente, deixou-se de mencionar, no texto do novo Estatuto, que veio a substituir a Lei 4.215/63, essa equiparação a salários nos processos concursais. Depois de longas discussões, a jurisprudência, e, agora, o novo CPC, adotaram expressamente a paridade com os créditos obreiros, em ordem a se ter as respectivas habilitações de crédito como superprivilégios. Muito bem. Não se pode esquecer, porém, que a atual lei de recuperação judicial e falências (Lei nº 11101/05), limitou esse superprivilégio a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), corrigido anualmente, contra nossa posição, que patrocinamos ação direta de inconstitucionalidade, em nome da C onfederação Nacional das Profissões Liberais, perante o STF. Este, porém, no ponto, não a acolheu, sob o fundamento de que as Centrais Sindicais haviam concordado com o princípio, na fase “de lege ferenda”…

Resta o núcleo duro da questão, que não se resolve completamente ao dizer-se que o crédito do advogado e da parte contrária são diversos e pautar sua autonomia. Isso é verdadeiro. No entanto, outro deve ser o entendimento ao se tratar de compensação de créditos de advogados, fixados em sentença por força do princípio do sucumbimento, entre advogados. “Data venia” dos que pensam em sentido contrário, nenhum dos advogados deve ser considerado superior ao outro no processo. Todos integram a laboriosa e sofrida classe e devem ser tratados com equidade, é dizer, sob a regência do princípio constitucional da isonomia e da proporcionalidade.

Por consequência, se um dos advogados inicia um incidente de execução de honorários para a cobrança de determinada quantia, o outro, que também possui o crédito alimentar e salarial, em seu próprio nome, pode perfeitamente deduzir compensação, que nada mais é do que acerto de contas entre pessoas que devem receber o mesmo tratamento do ordenamento jurídico, por créditos similares.

A autonomia não separa os advogados, antes os une, como uma conquista da classe. Tem-se que admitir-se perfeitamente a possibilidade de um dos advogados conseguir a execução de seus honorários com êxito, e o outro não, por todas as vicissitudes que marcam o processo de execução e que conhecemos bem. O litígio seria equanimemente solucionado? Evidentemente que não. É claro que, superada a compensação entre honorários, extintos direitos e obrigações até o limite solvido pela compensação, o saldo do causídico titular de maior quantia poderá ser executado contra a parte contrária, sua devedora.

Diante dessas considerações, podemos concluir que a verdadeira inteligência do novo dispositivo processual exprime que os honorários não podem ser compensados com verbas diversas, mas podem ser compensados com honorários, sob pena de admitir-se tratamento diverso para situações idênticas. O que não se admite é compensação com títulos da parte principal, em nenhuma hipótese.

Por isso que é consideramos que o art. 85, § 14, do novo Código de Processo Civil, não se apresenta incompatível com o Enunciado da Súmula nº 306 do C. STJ, que merece simples atualização do verbete, para constar que “Em caso de sucumbência recíproca, os honorários advocatícios sucumbenciais não são compensáveis com créditos da parte, salvo com títulos da mesma natureza do patrono adverso, prosseguindo sua execução autônoma por valor remanescente, na forma da lei”.

*Amadeu Roberto Garrido de Paula, é advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.