Abandono ou não comparecimento a plantões médicos: implicações ético-profissionais, cíveis e penais ao profissional da medicina

Ingrid Carvalho de Oliveira

O Código de Ética Médica, especificamente no inciso II do Capítulo I, apresenta um princípio fundamental norteador da relação médico-paciente ao dispor que o alvo de toda a atenção do referido profissional deve se materializar na proteção à saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor da capacidade profissional que é esperada.

Ocorre, porém, que, distanciando-se da boa relação a ser estabelecida com o paciente e, também, da salvaguarda à saúde do ser humano, muitos profissionais da medicina abandonam escalas de plantões laborais sem justo motivo aparente, esquecendo-se, muitas das vezes, que, além da responsabilização ético-profissional, poderão ainda se submeter à responsabilização civil e penal.

Ao se observar a conceituação trazida pelo dicionário, tem-se que abandonar é o “efeito de largar, de sair sem a intenção de retornar, afastar-se”.

Nesse ponto, no intuito de coibir tal prática por profissionais da medicina, o Código de Ética Médica, no artigo 9º do capítulo III, dispôs ser vedado ao médico deixar de comparecer a plantão cujo horário da escala laboral já esteja preestabelecido ou abandoná-lo sem a presença de substituto, salvo justo impedimento, podendo-se também acrescer à exceção os motivos de caso fortuito ou força maior.

Para que o profissional se encontre resguardado quanto à ausência ao plantão médico, vale ressaltar o que se entende, inicialmente, por justo impedimento.

A citada ressalva se materializa por ocorrência previamente visualizada pelo médico plantonista, ocorrência esta que deve ser, sempre que possível, comunicada, por meio escrito, ao superior hierárquico ou diretor técnico do ambiente hospitalar em um prazo razoável de, no mínimo, 72 (setenta e duas) horas antes da previsível ausência, motivação esta que deverá passar por apreciação do citado superior hierárquico ou diretor técnico, a fim de que nova escala possa ser elaborada em tempo hábil a não comprometer os serviços de urgência e emergência do nosocômio.

Por outro lado, os motivos de caso fortuito e força maior são motivações que fogem do controle do profissional escalado para o plantão, fatos que podem ocorrer a qualquer momento como, por exemplo, o impedimento de acesso ao hospital em decorrência de paralisação de outros profissionais ou profissionais da mesma categoria ou mesmo o acometimento de doença grave pelo médico plantonista, fatos que devem ser imediatamente comunicados ao superior imediato e desde que assegurados o recebimento e aceitação da informação pelo respectivo superior hierárquico ou diretor técnico.

Desse modo, tem-se que a ausência do médico plantonista sem justo motivo amolda-se à materialização de falta grave praticada pelo profissional, ato expressamente vedado pelo Código de Ética Médica, especificamente no capítulo III do citado regramento, fato que, se ocorrido, pode ensejar, em conformidade com procedimento administrativo específico, a suspensão do exercício profissional.

De outro lado, o ato de abandonar plantões, sem justo motivo, pode ensejar também a responsabilização do profissional em âmbito civil, obrigando-o a reparar, pecuniariamente, qualquer dano advindo da conduta comissiva (ação) ou omissiva por parte do agente.

Tal responsabilização encontra guarida nos artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro, os quais dispõem que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, fatos que corroboram com a obrigação à reparação de danos.

No mesmo sentido, o Código de Ética Médica também estabelece, no capítulo III, parágrafo primeiro, ser vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

O ato do abandono, no direcionamento da responsabilização civil, caracteriza-se por ato omissivo, ou a chamada negligência.

Ademais, vale ressaltar que a relevância da omissão do médico, ao abandonar plantões, também está apta a ensejar a responsabilização do profissional em âmbito penal.

Nesse contexto, imperioso o destaque ao artigo 13, § 2º, do Código Penal Brasileiro, o qual estabelece que a omissão é penalmente relevante quando o agente que se omite devia e podia agir para evitar o resultado, sendo que tal dever de agir incumbe a quem tenha, por lei, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado ou, com comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

No caso do profissional da medicina, a obrigação de cuidado, proteção e vigilância ao paciente é inerente à profissão, cujo destaque é dado pelo Código de Ética Médica e pela Lei 12.482/2013, a qual dispõe sobre o exercício da Medicina.

Ressalta-se que, neste tipo de omissão, denominada omissão imprópria, o cerne do ato ilícito se caracteriza pela não execução de uma atividade juridicamente predeterminada ao agente, a qual não é obedecida, embora conste um dever jurídico de agir. No presente caso, a posição de garantidor que rege a atividade do médico plantonista, enquanto em atividade laboral, é flagrantemente violada pela conduta praticada pelo profissional que abandona ou não comparece à escala do plantão.

Assim, fatalmente, caso haja a morte do paciente que estava sob os cuidados do profissional, a conduta do médico que não comparece ao plantão ou simplesmente o abandona sem justo motivo, pode justificar o enquadramento do ato diretamente nos artigos 121 e 13, § 3º, alínea “a”, do Código Penal Brasileiro, o que ocasionará uma sanção penal cuja pena poderá variar de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão. Ainda sim, será possível o enquadramento da conduta do profissional no artigo 121, § 3º, do Código Penal, com pena que poderá variar de 1 (um) a (três) anos de detenção, com possibilidade de aumento de pena em um terço, em virtude da disposição contida no § 4º do mesmo artigo.

Em outros casos, o profissional que age com a conduta de menosprezo à vida dos pacientes pode ser punido até mesmo com a pena disposta por homicídio com dolo eventual, conhecido também por dolo indireto, o qual materializa a conduta do profissional que prevê um resultado desfavorável ao paciente, porém, assume o risco da ocorrência deste, ato que poderá ensejar uma sanção penal cuja pena poderá variar entre 06 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão.

Vale ainda destacar que, se sobrevir ao paciente o agravamento do quadro clínico em decorrência do não comparecimento do médico plantonista ou o abandono deste ao plantão, as sanções penais dispostas no artigo 129, § 1º e 2º c/c (combinado com) artigo 13, 3º, alínea “a” do Código Penal, poderão ser aplicadas, com penas que poderão variar de um a cinco anos de reclusão, no caso de lesão corporal de natureza grave, ou dois a oito anos de reclusão, em caso de lesão corporal de natureza gravíssima.

Desse modo, é importante que o profissional médico se atente à legislação que o rege, assim como ao dever de bem zelar pela vida do ser humano, observando-se a obrigação que lhe é regida desde os tempos imemoriais do originário juramento Hipocrático.

*Ingrid Carvalho de Oliveira, advogada do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Membro da Comissão de Direito Médico, Sanitário e Defesa da Saúde da OAB/GO e fundadora do escritório Ingrid Carvalho Advocacia Personalizada