Apresentação de razões recursais em segundo grau fere princípio da celeridade processual, entende juíza

Wanessa Rodrigues

A juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia, indeferiu pedido de um réu para apresentar razões recursais na instância superior, conforme previsto no artigo 600, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal. Porém, a magistrada declarou, incidentalmente, a incompatibilidade da norma com a ordem constitucional em vigor. Segundo ela, o referido artigo não foi recepcionado pela Constituição Federal, por vulnerar o princípio da celeridade processual. O artigo também é incompatível com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia.

Ao proferir a sentença, a magistrada destacou que, ao inserir o parágrafo 4º ao artigo 600 do Código de Processo Penal, o legislador ordinário buscou facilitar a defesa dos réus, em função do reduzido contingente de advogados, grande parte concentrada nas capitais, os quais tinham dificuldade de protocolizar as suas razões ao recurso diretamente no juízo de primeiro grau. Buscou, ainda, de modo subliminar, evitar que os defensores ficassem constrangidos de indicar perante o juízo de primeiro grau as razões para a pretendida reforma da decisão judicial recorrida.

Placidina lembra, ainda, que a referida alteração legislativa é do ano de 1964, e foi introduzida no Brasil por meio Lei nº 4.336/64, quando ainda não existiam os atuais mecanismos de transmissão de dados, documentos e petições, notadamente o protocolo judicial integrado (em pleno funcionamento no Estado de Goiás). Quanto ao constrangimento, a magistrada salienta que o juiz, mais cedo ou mais tarde, tomará conhecimento dos argumentos utilizados pelo apelante em seu recurso, já que os autos, após as razões ofertadas perante a superior instância, retornarão à origem para as contrarrazões da parte contrária. Ou seja, de nada adianta esse receio dos advogados.

Empecilho à celeridade
Em vez de benefícios, observa a magistrada, a referida norma processual, que sequer foi mencionada no projeto de lei do novo Código de Processo Penal, representa verdadeiro empecilho à celeridade e à efetividade da prestação jurisdicional. O que representa evidente afronta ao princípio constitucional da duração razoável do processo, previsto na Constituição Federal. No caso em questão, por exemplo, o processo já dura mais de um ano.

No entendimento da magistrada, a previsão infraconstitucional de o apelante oferecer suas razões recursais diretamente na segunda instância acaba por tornar a marcha processual ainda mais morosa e impondo custos desnecessários ao erário. Isso porque, exige que os autos sejam remetidos à segunda instância para que as razões do apelante sejam apresentadas naquela sede e, após, que o feito retorne à origem para as contrarrazões, retornando novamente à instância superior para, finalmente, o apelo ser apreciado.

“A meu ver, referida manobra, que tem por objetivo unicamente possibilitar ao apelante moldar as suas razões ao posicionamento dos integrantes da turma ou câmara a quem couber o julgamento do recurso, por sacrificar a celeridade processual e impor gastos ao erário, configura afrontoso abuso de direito de defesa, que deve ser energicamente coibido”, diz Placidina. A magistrada completa ainda que o referido dispositivo fere o princípio da igualdade processual, porque não se confere igual oportunidade ao Ministério Público, apenas à defesa.

Leia mais sobre o tema em artigo assinado pela juíza e pela bacharel e Direito Francielly Ferreira de Sousa.