Advogado comenta lei que anula autuações a produtores rurais que não emitiram nota fiscal em transporte de animais

Em entrevista ao Portal Rota Jurídica, o advogado José Eduardo Firmino Mauro, do escritório Fonseca Mauro Monteiros Advogados Associados, comenta a Lei 20.063, de 4 de maio de 2018, que torna nula todas as autuações dos produtores rurais que emitiram as Guias de Transito Animal (GTAs) e não emitiram a respectiva nota fiscal de operações ocorridas até o dia 05 de julho de 2018. A norma foi aprovada pela Assembleia Legislativa de Goiás e publicada esta semana no Diário Oficial do Estado. Com isso, os produtores terão cerca de R$ 600 milhões em dívidas fiscais perdoadas.

Advogado José Eduardo Firmino Mauro.

O advogado fala sobre os pontos positivos e negativos da lei, o posicionamento da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG), que em nota disse que “a Lei corrige injustiça aos Produtores Rurais de Goiás”, e sobre a possibilidade de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a lei, proposta pelo Sindicato dos Funcionários do Fisco de Goiás (Sindifisco). Confira a entrevista:

Rota Jurídica – Qual era a situação dos produtores rurais antes da aprovação da Lei 20.063?
Segundo informações não oficiais, a quantidade de autos de infração dessa natureza superam dez mil casos em tramite nos órgãos administrativos do Estado. As referidas autuações vinham sendo questionadas há muito tempo pelos pecuaristas goianos, seja no Conselho Administrativo Tributário (CAT), ou junto às suas entidades sindicais que representam o agronegócio, em especial a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado De Goiás (FAEG).

Os produtores rurais de todo Estado foram surpreendidos quando começaram a receber as notificações da Secretaria da Fazenda questionando emissões de GTA sem que tivesse sido emitida a respectiva nota fiscal. Esclareça-se que a maior parte dessas autuações refere-se à transações de bovinos onde não existe a incidência do tributo ou o mesmo presume-se a isenção da cobrança por tratar-se basicamente de transações interestaduais.

Inúmeros produtores rurais de todo Estado se viram coagidos a pagar valores indevidos, sendo muitas das vezes pressionados em delegacias fiscais ao pagamento sob pena de agravamento de sua situação. Diante de tais ameaças, muitos pagaram as referidas penalidades, impactando inclusive na sua própria subsistência, por se tratarem de pequenos produtores, sem condições financeiras de suportar uma adequada assessoria jurídica e contábil que pudesse lhe respaldar.

RJ – Diante deste cenário, quais são os impactos da norma no agronegócio goiano?
Com a publicação desta norma, a pecuária goiana ganha um pouco mais de fôlego, pois temos que ter em mente que o setor vive uma de suas maiores crises, devido ao baixíssimo preço da arroba do boi. Esse achatamento dos valores se deve a vários motivos, em especial a operação Carne Fraca, que jogou toda a pecuária nacional em uma vala comum, depreciando em muito essa commoditie.
Além de dar fôlego ao setor, a norma visa corrigir ilegalidades e injustiças que estavam sendo cometidas contra o produtor rural, que estavam sendo cobrados tributos indevidos e sendo aplicadas penalidades de forma abusiva e injustas.

RJ – Para o senhor, quais os pontos positivos da norma?
Tenho como ponto positivo desta norma a regularização de uma situação onde tributos e penalidades estavam sendo cobrados do produtor rural de forma indevida. Tributos devem ser cobrados quando existe a ocorrência de um fato gerador que a norma tributária assim o preconize. Temos uma das maiores cargas tributárias do planeta e não podemos autorizar o Estado que cobre ainda mais de forma indevida, ou seja, cobrar tributo de um fato não disciplinado na norma como um fato gerador tributário.

RJ – Existe ponto negativo nesta Lei?
Como fato negativo, vejo que a redação da referida norma careceu de uma técnica legislativa mais precisa. Isso porque, além dos casos relacionados à emissão de GTA sem nota, temos os casos onde foram emitidas Termo de Transferência Animal (TTAs ), onde a situação é mais descabida ainda, onde não houve sequer a movimentação física do rebanho.

Penso que essa norma poderia ter recebido uma redação mais adequada, onde contemplaria todas as situações que merecem a regularização por parte do legislativo goiano. Nesse sentido, como acompanhei com proximidade toda essa discussão, entendo que se tivesse sido utilizado o texto proposto pela Faeg, por meio de sua assessoria jurídica, teríamos uma regularização dessa situação de uma maneira muito mais equânime e justa.

RJ – Em nota, a Faeg afirma que a Lei corrige injustiças aos Produtores Rurais de Goiás e reafirma que a operação é isenta de ICMS para o produtor rural. Qual sua análise sobre isso?
A Federação, como possui estreito contato com os sindicatos rurais Estado afora, interage diretamente com os produtores e tem ciência das dificuldades pelas quais passa o setor e vendo as injustiças que estavam sendo perpetradas não se manteve inerte e partiu para a batalha, culminando que a promulgação desta norma.

Temos que ver a situação da seguinte forma, o produtor rural procurava a Agrodefesa (órgão estadual) e emitia a GTA e, quando entendia devido, procurava o órgão da Secretaria da Fazenda no município e emitia a nota fiscal. Vejam bem, dois órgãos públicos do mesmo ente e que até então não se relacionavam e não se comunicavam, ocasionado o que agora está sendo discutido.

Tanto que esses órgãos não agiam de forma devida que, após o aparecimento dessas notificações fiscais, corroborado com a provocação da FAEG, ambos documentos passaram a ser emitidos em conjunto. Ou seja, hoje a GTA é emitida juntamente com o respectivo documento fiscal. De agora em diante não haverá mais esses problemas, pois o Estado de Goiás mudou a sua rotina de emissão das referidas documentações fiscais e sanitárias.

RJ – Há elementos para uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra essa lei, como pode propor o (Sindifisco)?
Primeiramente, entendo que a referida entidade sindical não possui legitimidade jurídica para manejar tal ação. Tal legitimidade é disciplinada pelo artigo 103 de nossa Constituição. E não vejo que o Sindifisco possui legitimidade jurídica para tal questionamento, não carecendo maiores considerações sobre as intenções que permeiam tal questionamento.

RJ – O senhor acredita que a norma continuará a ser discutida?
Penso que a redação poderia ter sido aprimorada, não relativo a amplificar a incidência da remissão, mas que trouxesse uma maior tranquilidade não discussões que serão travadas a partir de agora, pois como está, haverá divergências em suas interpretações. O agronegócio, como carro chefe da economia nacional, deveria ser melhor tratado pelos entes federativos, não ser espezinhado com cobrança indevida de tributos e aplicação excessiva de penalidades.